Tiago, boa tarde. Tudo bem?
Estivemos no Lira Paulistana, assistindo seu show, eu e a Maria do Carmo, quando ainda namorávamos. Temos 23 anos de casado. Temos o disco Cabelos de Sansão e a fita gravada.
Esperamos ansiosamente pelo CD deste vinil, que também divulgaremos.
Um grande abraço e até breve.
Orlando FranciniCidade de Jaraguá, São Paulo
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Amigo desconhecido - 2
terça-feira, 29 de abril de 2008
Amigo desconhecido
Caro Tiago,
Aqui, falo do lugar privilegiado de ser um admirador do Cabelos há vinte anos - descobri o disco com uns 16, hj estou com 36. Minha ex-mulher, que hoje mora nos Eua e a quem converti às fileiras dos admiradores de seu trabalho (tenho uma vida de ações evangélicas em benefício de seu disco e dos dois primeiros da Cátia de França), me escreveu ontem mandando o link do seu blog: que alegria.
Hoje sou doutor em Letras e professor da Federal da Bahia, mas quem lhe descobriu foi um menino pobre de um bairro suburbano de Salvador - e o menino adorou sua música, que fez muito sentido pra ele, e carregou sua música na memória mundo afora. Hoje te escrevo com a pieguice meio abobalhada dos fãs pra lhe dizer aquilo que há de ser o resumo do discurso dos fãs: obrigado.
Antonio Marcos Pereira
http://antoniomarcospereira.wordpress.com/
Naturalmente sensibilizado pelo conteúdo e o tom poético da mensagem, não resisti a uma olhada no endereço eletrônico logo abaixo do nome do missivista. Encontrei um blog com textos bem escritos, homenagem ao cineasta japonês Yosujiro Ozu (1903/1963) - cuja foto copiei de lá e reproduzo aqui.
A propósito: o Amigo desconhecido que dá título a este post é uma canção do compositor e músico cearense Sérgio Sá. Tive a oportunidade de conhecê-lo em seu estúdio de gravação em São Paulo, há mais de uma década. O e-mail acima me trouxe à memória sua música e as conexões que a música é capaz de promover.
Tiago Araripe
Meus encontros com o Papa Poluição
Nas minhas andanças pelo Crato a partir de 1975, tomei conhecimento da existência de um grupo musical paulista (integrado por alguns cearenses) chamado Papa Poluição.
De nome, eu já conhecia Tiago Araripe (por conta do Festival Abertura e da amizade com seu pai, Jósio, cuja casa tive a honra de freqüentar algumas vezes), e também José Luiz Penna e Xico Carlos ( primo e irmão, respectivamente, de meu amigo José Roberto França).
Como eu já havia produzido, no ano anterior, um show com Abidoral Jamacaru e sua banda, no Teatro da Emcetur, fui procurado para repetir a dose com os rapazes do Papa. Reservei a pauta, espalhei releases e fotos nos jornais, e fiquei aguardando a chegada do grupo.
Alguns dias antes da estréia do show (Mamãe Rádio não toca meu disco), eis que aparece a turma numa kombi. Ao volante, Túlio Penna (de saudosa memória). E mais: Tiago, Zé Luiz, Xico Carlos, Paulinho Costa, Beto e Bill Soares. Eu morava numa espécie de “quarto e sala” na rua Coronel Alves Teixeira, onde tive que hospedar quase todos, pois Tiago ficou na casa do avô que distava poucos quarteirões de nossa “república”.
Para uma banda que não estava na “mídia nacional”, a passagem pela capital cearense pode ser considerada um sucesso, pois despertou a atenção de muitos jovens da época que até hoje devem lembrar da variedade de ritmos, do visual “riponga” e do humor contido em muitas das letras do repertório.
Corria o mês de dezembro, quando aconteceu o show durante três dias. Em seguida, o Papa deixou Fortaleza rumo ao Cariri, onde tinha outras apresentações acertadas. Dias após, fui chamado por Fagner para organizar um show que ele faria numa quadra de esportes em Juazeiro, ao lado de Amelinha, Dominguinhos e Anastácia. Depois dessa apresentação, segui para o Crato com Fagner, Amelinha e Wiron Batista. Ali aconteceu um show da dupla Fagner/Amelinha, também numa quadra de esportes. Ficamos hospedados na casa do advogado e escritor Émerson Lacerda. Dominguinhos e Anastácia seguiram rumo ao Sul e, na estrada, encontraram Afonsinho que seguia com a mulher, Sílvia, e a enteada, Índia, para Fortaleza. Com a informação de que estávamos no Crato, Afonsinho foi juntar-se a nós na casa do Émerson. A partir daí foram armadas as “peladas” que juntaram o pessoal do Papa com Afonsinho, Fagner e outros amigos do Crato, como Abidoral, Pachelly, Dedê, Dadim e Zé Roberto, entre outros. Nesse reencontro caririense com o pessoal do Papa fiquei sabendo que eles tiveram que “animar” até festa dançante.
Da convivência com o grupo, ficou-me a lembrança de dois aspectos bastante positivos: de um lado, a amizade e a solidariedade irrestritas entre eles; de outro lado, a alegria, o bom humor e a simpatia que espalhavam por onde passavam. Posteriormente, em 1979, pude reencontrá-los em São Paulo, num espetáculo no Teatro Oficina, onde fui apresentado por eles ao cineasta Hermano Penna, mais um que passou a fazer parte do meu círculo de amigos até hoje. Sobre Hermano, o Tiago já falou um pouco, mas ainda há muito que se falar mais adiante.
Francis Vale
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Outras vozes - Francis Vale
Francis é um dos idealizadores (juntamente com Eusélio Oliveira) do Cine Ceará, que no início tinha o nome de Vídeo Mostra Fortaleza e recentemente chegou à 18a. edição como reconhecido festival internacional de cinema e vídeo.
Autor musical e cineasta realizador de diversos curtas, ele é um verdadeiro produtor de cultura. Um dia assisti a um longa em que lá estava fazendo ponta como um coronel.
Admiro pessoas que conseguem desempenhar tantos papéis ao mesmo tempo, principalmente quando isso tem a ver com cultura e arte.
Mais que testemunha visual e auditiva de histórias deste blog, de certa forma ele também as ajudou a escrever. No próximo post, você vai ver um texto exclusivo que Francis teclou sobre o Papa Poluição. Fique de olho.
Tiago Araripe
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Pelas frestas do Festival Abertura
Ficou a cargo de Tim Maia (foto) um dos shows do evento global. Na época, Tim era adepto da Cultura Racional. Só se apresentava de branco, mostrando na mão exemplar do livro Universo em Desencanto. Acontece que usar branco ainda era tabu para os padrões técnicos da televisão de então. Estourava a fotografia, coisa assim (a TV em cores ainda era relativamente recente no Brasil).
Criou-se um impasse, já que Tim Maia não arredava pé de cantar vestido de branco. No fim, a vontade do artista venceu a limitação da tecnologia.
Outro craque que desafiava os padrões da Rede Globo era o Hermeto Pascoal. Ele concorria com a música Porco na Festa. Com um detalhe: sua apresentação incluía a participação de porcos de verdade, o que causou um rebuliço na produção do festival. Afinal, havia uma alto grau de imprevisibilidade na presença dos suínos em um festival meticulosamente planejado para nada dar errado. Presenciei Hermeto dizendo em voz alta que se os porcos ficassem de fora, ele também ficaria. Mais uma vez venceu o artista. E os porcos. Ainda bem.
Em outra ocasião, a produção marcou uma reunião com os artistas. Chegamos ao local combinado e a porta estava fechada. Ficamos esperando sentados na escadaria. Já passava do horário estabelecido quando chega Hermeto. Ao ver aquele grupo de músicos, intérpretes e compositores naquela condição precária, se dirigiu à entrada e gritou que ou abriam ou ele derrubaria a porta a cabeçadas. Abriram.
Tiago Araripe
Em tempo: Dias depois da postagem do texto acima, me deparo com versão diferente quanto ao desfecho da participação de Tim Maia no Festival Abertura. O informante é o divertido livro Vale tudo, de Nelson Motta, que narra a atribulada biografia de Tim. Segundo o autor, na realidade a Rede Globo fechou as portas para o cantor e compositor de Que beleza. Assim Tim Maia não chegou a cantar no Festival. Torci tanto pela vitória de Tim Maia no embate com a Globo que minha memória registrou esse desejo, e não realmente o que ocorreu...
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Drácula no Fantástico
Parecia algo milagroso, dada a minha condição financeira precaríssima naquele momento. Mas o que me ouvi dizer ao rapaz da Globo surpreendeu a mim mesmo: falei simplesmente que ia pensar no assunto. Daria uma resposta depois. (Eu era muito jovem, muito duro e muito metido a besta.)
Depois do pretenso charme de artista (pobre, mas artista), acertei o cachê e os detalhes da gravação do programa –aliás, receber o pagamento foi dez vezes mais difícil que cantar a música.
Para dar mais fôlego à repercussão do Abertura, a Globo preparou um quadro do Fantástico que mostraria polaridades contrastantes do Festival: a música mais popular do evento (Farofa-fá, interpretada por Mauro Celso) e a considerada mais “maldita” (Drácula, interpretada por mim).
Naturalmente, o nome do parceiro Décio Pignatari deve ter pesado na definição da pauta do programa. Acredito também que a Globo, de alguma forma, estava me dando uma segunda chance depois da minha performance afônica no Festival. Seria uma forma de reabilitar minha imagem de cantor.
Do palco ao porão
Eu e o Mauro Celso gravamos os nossos números nos porões do Teatro Municipal de São Paulo (foto). Por sinal o cenário sombrio se adeqüava mais ao tema de Drácula que ao clima festivo de Farofa-fá.
Daí em diante, Drácula seria uma constante nas apresentações do Papa Poluição: um tango em meio aos rocks, xotes, baiões e maracatus que, traduzidos em linguagem pop, marcaram a diversidade musical do grupo.
Tiago Araripe
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Tangos e morcegos
O lugar, escuro e assustador, vivia fechado. A ele chamávamos de Subterrâneo. Isso talvez por habitarmos o andar de cima, numa ala de quartos com assoalho de madeira, tendo pouco abaixo dos nossos pés aquele ambiente sombrio.
Havia muitos morcegos transitando ali, e algumas vezes eu e meu irmão Flamínio nos divertíamos a caçá-los pela casa. Com uma daquelas espingardas de carregar pela boca - socadeira, como dizem no sertão - dispensávamos o chumbo que poderia quebrar as telhas: bastava a pólvora, a bucha e o barulho da explosão para os morcegos, cegos que se guiam pela audição, caírem fulminados.
Anos depois, tive a oportunidade de ter o próprio Drácula nas mãos. Não, ele não veio de algum castelo fantasmagórico da Transilvânia. Saiu mesmo foi de um moderno apartamento no bairro paulistano das Perdizes. Longe de ser o aterrorizante personagem de Bram Stoker, era na verdade um vampiro bem-humorado, saído da imaginação criativa do poeta de Décio Pignatari.
Chegou até a mim por meio de Tom Zé, como letra de música, em meio a outros poemas de Décio. Dois deles falavam de vampiro e pareciam mais longos do que normalmente são as letras de uma canção. Depois de algumas horas ao violão, consegui transformá-los em tangos algo futuristas. Ambos foram registrados em disco. Teu coração bate, o meu apanha virou o lado B do compacto simples Tom Zé e Tiago Araripe. E com Drácula participei do Festival Abertura, da Globo.
O Festival aconteceu em 1975, no Teatro Municipal de São Paulo. Representava a tentativa da Globo de reviver os áureos tempos dos festivais de música popular que tanto animaram a cena cultural do país na década anterior. E projetou nomes importantes como Djavan, Alceu Valença, Walter Franco, Hermeto Pascoal, Ednardo, Luís Melodia, Jards Macalé, Jorge Mautner e muitos outros (clique nos links para ver letras ou assistir clipes de algumas das músicas do Festival).
Os futuros parceiros de Papa Poluição - José Luiz Penna e Paulinho Costa - também estavam entre os participantes defendendo Muzenza, composição deles que integraria depois o repertório do grupo, assim como a própria Drácula.
Uma das apresentadoras do Festival era ninguém mais ninguém menos que a Marília Gabriela (foto abaixo). Nos shows dos intervalos estavam lá artistas como Tim Maia e Caetano Veloso. Em suma, havia na receita todos os ingredientes para fazer do evento um grande espetáculo.
Tivemos bom ensaio geral na véspera, quando Drácula foi considerada, por alguns jornalistas presentes, como proposta inovadora. Saí do Teatro Municipal animado, cheio de perspectivas quanto à apresentação da noite seguinte e os seus possíveis desdobramentos.
Mas o imprevisto aconteceu. Lá fora, a garoa e o frio de uma virada de clima habitual em São Paulo passou a destoar das roupas leves que eu usava.
Resumindo: acordei afônico no dia do Festival.
Ao que parece, meu drama pessoal sensibilizou algumas pessoas nos bastidores do Teatro - principalmente aqueles que me viram cantar no ensaio anterior. Uma jurada, notória professora de canto, pediu que me transmitissem exercícios vocais para melhorar a garganta (se não me engano, foi a própria Marília Gabriela a porta-voz da receita). Do seu camarim, Caetano orientou que me ensinassem uma posição de Ioga chamada de Posição do Leão, indicada para casos como o meu. Atordoado, eu a tudo aceitava querendo ficar bom. Cheguei a cogitar a substituição por outro intérprete: o próprio Paulinho Costa. A direção da Globo não aceitou: meu videoclipe já estava gravado, ambientado no cemitério da Avenida Dr. Arnaldo, e havia alguma simpatia pela minha imagem magra, longos cabelos, vestido com capa negra de vampiro meio hippie.
Assim, com a coragem de mamar em onça que desenvolvi nos momentos difíceis de enfrentamento do público, adentrei o palco do Teatro Municipal. Procurei compensar a falta de voz com gestos dramáticos. Houve quem ouvisse na minha rouquidão uma referência aos guinchos de vampiro, que os violinos do arranjo de Mauro Giorgetti sugeriam.
No dia seguinte, alguns críticos foram benevolentes. Wladimir Soares, do Jornal da Tarde, escreveu que Drácula "foi a única música a representar uma proposta concreta de inovação e criatividade". Continuando, acrescentou: "Na hora da apresentação, Thiago (sic) Araripe perdeu a voz e ganhou apenas 66 pontos; era um tango que fugia do tradicional portenho e do jazzístico de Piazzola, com uma linha própria".
José Miguel Wisnik, que anos depois se revelaria um talentoso compositor, registou no jornal Última Hora o que chamou de perda lamentável "porque envolve o próprio andamento do concurso":
Thiago Araripe, que apresentou a música Drácula, é um cantor muito bom, com uma afinação muito natural e segura, além de ser um ótimo compositor, conforme pôde-se ver no decorrer dos ensaios. Acontece que ele acordou sem voz no dia da apresentação, em conseqüência dos rigores do clima paulistano, e sua interpretação perdeu toda a naturalidade. Repare bem quando puder: Drácula é uma das melhores composições do festival.
A seguir, você vai saber como - mesmo desclassificado no Abertura - fui convidado para cantar Drácula no Fantástico. E não vale antecipar, dizendo que é o show da vida...
A propósito, a foto que ilustra esta postagem é de um show realizado no Colégio Rio Branco logo após o Festival Abertura. Ali está, provavelmente, a mesma capa que utilizei no evento da Globo. Ali está, com certeza, o embrião que deu origem ao grupo Papa Poluição - e começou quando formamos uma banda para acompanhar Tom Zé alguns meses antes - inclusive no mesmo colégio paulistano.
Além de Xico Carlos na bateria e Fausto Aguiar na guitarra, contei com a participação de José Luís Penna e Paulinho Costa. Não lembro quem estava no baixo: a pessoa ficou encoberta por mim na fotografia. Mas recordo que bem em frente, na platéia, estavam Décio Pignatari e os irmãos Campos - Augusto e Haroldo. E que estreamos nessa noite outra parceria minha e do Décio: O hipopopótamo, rumba dançante de letra estranhíssima.
Tiago Araripe
terça-feira, 22 de abril de 2008
Adeus às ilusões
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Nordeste revisitado - 2
O destino seguinte foi o Cariri. No Crato, terra natal minha e do Xico Carlos, fomos recebidos como celebridades (doce ilusão). A nossa apresentação, no intervalo de um baile com o conjunto Ases do Ritmo, lotou o Crato Tênis Clube. Até minha avó e uma tia, velhinhas, estavam lá. As duas cabeças branquinhas no meio da multidão não destoavam do clima de festa em que estávamos mergulhados.
Nas cidades seguintes, Juazeiro do Norte e Barbalha, a lógica da programação seria a mesma: apresentação em clube, no intervalo do baile. Mas por alguma falha de comunicação, nossos bem intencionados interlocutores entenderam que o baile ficaria também por nossa conta. O que se sucedeu foi algo com que não contávamos. As pessoas estavam ali não apenas para nos ver. Queriam também dançar. Não atendê-los poderia comprometer a nossa integridade física. Ou seja: a barra poderia pesar...
Nossa estratégia de sobrevivência foi simples, mas exaustiva: disparamos nossas músicas mais dançantes. O público entrou no clima, tudo começava a funcionar às mil maravilhas. Mas o repertório era curto, e o baile não podia parar. Assim, ao concluir o último número da série, Penna fez um anúncio solene. Disse que, atendendo a pedidos, iríamos tocar tudo de novo. Foi o que fizemos uma, duas, três vezes. Lembro de Paulinho com os dedos sangrando, de ficar tanto tempo tocando guitarra. Valeu o sacrifício: conseguimos sair sãos e salvos.
Em Barbalha, o filme se repetiu na noite seguinte. Estávamos tão exaustos que, após cada rodada do repertório, dávamos um intervalo. À medida que a noite avançava, os intervalos iam ficando maiores. Certa ocasião, ouvi uma pessoa dizer, indignada, que o conjunto fazia mais intervalo que música. A atmosfera estava tensa, mas ao final também escapamos com vida.
Ficamos uns dez dias no Cariri, aproveitando o convívio com familiares e amigos. À tarde costumávamos encher o carro de meninos do Lameiro, bairro rural do Crato, para jogar futebol num campinho no pé da serra. Era divertido até para um notório perna-de-pau como eu. Uma dessas partidas contou com a participação de celebridades: o jogador Afonsinho e o cantor Fagner, tendo Amelinha como expectadora.
Do Cariri seguimos para João Pessoa, onde realizamos duas apresentações no belo Teatro Santa Roza. Na saída do hotel, um imprevisto. A pessoa que organizou o show sumiu, e só conseguimos convencer o gerente a nos deixar sair com muito custo: a conta não havia sido paga. O mesmo sujeito havia assegurado a continuidade de nossa tour em Aracaju. Mas ao chegarmos na capital sergipana, o teatro estava fechado. E o diretor, na Europa. O que nos coube fazer foi dormir um pouco na praia, e em seguida retornar a Salvador. Dali seguimos a longa viagem de volta a São Paulo.
Mas estávamos de alma lavada. Pelo mar do litoral nordestino e pelas nascentes da Serra do Araripe.
Tiago Araripe
Nordeste revisitado - 1
E o Papa Poluição pega a estrada, numa das raras incursões do grupo fora do estado de São Paulo. Seria final de 1978. Toda a nossa excursão pelo Nordeste foi organizada por carta. Isso mesmo: o velho e bom correio. Não tínhamos empresário – os dois únicos que se dispuseram a isso ao longo dos cinco anos de existência do Papa não eram exatamente dignos de confiança (um deles, procurado pela Polícia Federal, escafedeu-se; a outra nos deu um calote).
Penna e eu viajávamos a bordo de Sofia, nossa kombi recém-adquirida, juntamente com o equipamento do grupo (algo modesto, principalmente se relacionado aos sofisticados PAs de hoje). Paulinho levava Xico Carlos, Beto e Bill na sua Brasília que não era amarela.
E dá-lhe estrada.
De São Paulo a Salvador, onde faríamos nossa primeira apresentação da viagem, são 1.962 quilômetros. Não paramos para dormir: fazíamos isso nos próprios carros. Na kombi, havia um espaço mínimo entre as caixas de som e o teto – suficiente para que eu e Zé Luiz nos revezássemos para um cochilo no colchonete ali estrategicamente colocado.
Os postos rodoviários requeriam toda a nossa atenção: a bordo de Sofia, apenas eu era oficialmente habilitado a dirigir. Se Penna estava ao volante, era impressionante a rapidez com que alternávamos nossas posições ao avistar um posto ou barreira policial – mesmo com o veículo em movimento. No mais, evitamos maiores problemas simplesmente entregando exemplares dos nossos discos aos guardas. Não sei bem como, mas funcionava. (Na volta substituímos os presentes por mangas, que trazíamos do Cariri.)
Chegamos à Bahia pela Ilha de Itaparica, onde ficamos um ou dois dias para nos restabelecer do estirão da estrada. Ao avistarmos o mar, depois de tanto tempo papando a poluição paulista, não tivemos dúvidas: paramos os carros e entramos na água com roupa e tudo. Depois nos instalamos em casa na ilha, da família do Paulinho, numa praia simples e acolhedora chamada Cacha-Prego.
Após o show que abriu a excursão, em um clube de Salvador, levantamos acampamento rumo a Fortaleza. Na capital cearense, hospedados na casa do jornalista, compositor e cineasta Francis Vale, fizemos temporada de quatro apresentações no Teatro da Emcetur. O show estava afiado, com o grupo entrosado e ótima iluminação produzida por Túlio Penna, irmão de Zé Luiz que se juntara a nós em Salvador. Graças à boa divulgação, obtida com auxílio de Francis, tínhamos o teatro cheio todas as noites.
Como a proposta da excursão era funcionar também como férias patrocinadas, após o show íamos para a Beira-Mar - e as conversas se estendiam madrugada adentro. Pessoas como Petrúcio Maia e Rosemberg Cariri juntavam-se a nós em discussões às vezes acaloradas. Bebíamos muito. Promovíamos jantares para o pessoal da imprensa. E com a mesma facilidade que o dinheiro entrava, saía.
(Eu jamais imaginaria, àquela altura, que décadas depois voltaria a Fortaleza... para ficar.)
A mulher no cangaço
Neste 18 de abril (sexta-feira) um dos filmes a serem exibidos na Mostra é o documentário A mulher no cangaço, do cearense Hermano Penna. A trilha, assinada pelo Papa Poluição, antecede o trabalho musical que fizemos para o longa Sargento Getúlio, do mesmo diretor.
O documentário revela como viviam e sobreviviam mulheres como Maria Bonita (foto), Dadá e tantas outras que deixaram família e comunidade em que moravam para se integrar aos bandos de cangaceiros.
A mostra Nordeste, Cangaço e Cinema acontece das 14h às 22h na Casa Amarela Eusélio Oliveira - Cine Benjamin Abrahão.
O endereço: Av. da Universidade, 2591 – Benfica – Fortaleza – CE.
Informações pelos telefones: (85) 3366.7771 / (85) 3366.7772.
Abaixo, ficha técnica do filme disponibilizada no site do Cine Ceará.
A Mulher no Cangaço
Documentário. 1976. Rio de Janeiro. 16 mm. COR e PB. 35 min
Hermano Penna
Data: 18/04/2008
Documentário (com cenas reconstituídas) sobre algumas das mais de 50 mulheres que estiveram no cangaço. Destaque para Dadá (mulher de Corisco), Cila (mulher de Zé Sereno) e Adilia (mulher de Canário). Dadá relembra o dia em que foi raptada por Corisco. Cila conta que teve que doar o filho, cujo parto foi feito por Maria Bonita. Adilia relata que encontrou na companhia do marido, Canário, a liberdade que o pai lhe negava.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Vaqueiros de vacas gordas
(Até um tempo desses eu tinha uma cópia dessa nossa incursão na publicidade. A mídia era pré-histórica: o velho disco de cera. Não me pergunte porquê, pois há muito já existia o vinil.)
As vendas do gravadorzinho iam de vento em popa, o que fez os executivos da Evadin nos chamarem para nova missão: transformar o jingle em música dançante para animar os jovens nas casas noturnas. Já nem precisava falar o nome do produto: a associação com o jingle se encarregava disso.
O resultado prático foi que, enfim, ganhamos algum dinheiro. Pudemos nos equipar melhor e compramos uma kombi, que passamos a chamar de Sofia Bundete. Com ela e a Brasília do Paulinho fizemos, no final daquele ano, uma excursão vitoriosa (apesar dos percalços) pelo Nordeste.
É o que você vai ver ver brevemente aqui.
Tiago Araripe
domingo, 13 de abril de 2008
Vaqueiros de vacas magras
Não raro, não havia o que comer. A gente, naturalmente, improvisava. E haja macarrão. Até que descobrimos a salvação da lavoura: uma mulher que fornecia quentinhas na rua Girassol. Coisas da Vila Madalena de então: ela permitia que o pagamento fosse feito apenas no final do mês.
Tínhamos, enfim, almoço garantido. Havia ainda um porém. O lingüição de Dona Nerina (aquela boa senhora que me perdoe) era absolutamente intragável. Abríamos a quentinha com grande expectativa. Comemorávamos ao descobrir que não era dia de lingüiça.
Pagar o aluguel era outra novela. Um dia fui à Sicam - Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais - disposto a receber um pagamento que me era devido. Fiquei de plantão a tarde inteira na ante-sala da entidade, aguardando a saída do presidente para cobrá-lo pessoalmente, visto que por outros meios não havia surtido efeito. Era exatamente o dia do vencimento do aluguel do sobradinho onde eu morava na rua Wizard, e estava tão determinado a pagar a conta que o presidente não pôde mais se esquivar.
Quando cheguei na imobiliária, haviam acabado de cerrar a porta de ferro da casa. Fiquei batendo lá que nem um maluco, tentando a todo custo me livrar da multa que inevitavelmente viria a partir do dia seguinte. Até que algum espírito compreensivo gritou de lá de dentro que eu poderia saldar o compromisso na próxima manhã, sem ônus algum.
O Papa Poluição tinha, no seu repertório, uma música chamada Durango Kid ("Saque sua estrela de xerife/Se identifique, venha me policiar...". Possivelmente tenha relação com tudo isso. Além do mais, o episódio da Sicam me inspirou a compor o rock Déjà vu. A letra diz:
O suspense que eu passo
Pra pagar o aluguel
É de deixar Hitchcock encabulado
É de botar Zé Mojica no chinelo...
Tiago Araripe
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Idéias
c
Idéias
(Tiago Araripe-Paulo Costa)
Idéias
São pássaros velozes e arredios
Idéias
A chama chegando ao pavio
Idéias são folhas
Sopradas ao vento
Ou chuva de granizo
Dependendo do momento
Idéias são ondas
Rastros de espuma
Areia branca
Que escorre na duna
Nuvens carregadas
De eletricidade
Idéias são luzes
No céu da cidade.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
O que vem por aí
Enquanto começa a contagem regressiva para o relançamento de Cabelos de Sansão, este Blog antecipa aqui cenas dos próximos capítulos.
Falaremos dos shows do Papa Poluição. Depoimentos a respeito das tantas histórias que vivemos nos palcos e bastidores serão bem-vindos. Novas fotos dos acervos pessoais serão reveladas.
Esta que você vê acima, por exemplo, mostra uma apresentação do grupo no teatro - na época recém-inaugurado - do Sesc Anchieta, em São Paulo. (No click, este que vos tecla, Bill e Penna.) x
As performances do Papa eram movimentadas e divertidas. Melhoravam conforme as adversidades que tínhamos que superar. Uma de nossas mais vibrantes apresentações aconteceu em um pequeno teatro de São Paulo, depois que descobrimos que o público daquela noite se resumia a sete pessoas. Aquilo mexeu com nossos brios. Um de nós bateu no espelho do camarim, que se espatifou. Como uma equipe que entra em campo para uma partida difícil, decidimos que aquele seria um grande show. Entramos em cena com todo gás, como se estivéssemos tocando e cantando para uma multidão. Para aquelas sete pessoas deve ter valido o preço do ingresso. Para o grupo, valeu ter dado o melhor de nós quando teria sido compreensível - e usual em casos semelhantes - simplesmente suspender o espetáculo.
Há também a nossa excursão pelo Nordeste, que é um capítulo à parte. E haverá os depoimentos que a assessoria da Saravá Discos já coletou, de pessoas como Tom Zé, Tetê Espíndola, José Luiz Penna, Vânia Bastos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, escritos exclusivamente para o relançamento de Cabelos de Sansão. Todos têm a ver/ouvir com o disco mesmo que indiretamente, como Tom Zé e Décio.
Mas neste Blog o imprevisível também será bem recebido.
Como cantava Johnny Alf em Eu e a brisa: "Que o inesperado faça uma surpresa".
Assim seja.
Tiago Araripe
segunda-feira, 7 de abril de 2008
Notícias do front
O CD Cabelos de Sansão está na fábrica. O velho vinil de 1982 já foi remasterizado. As artes finais da capa e encarte estão prontas. Tudo trabalhado com a qualidade que caracteriza as produções do selo Saravá Discos, de Zeca Baleiro e Rossana Decelso.
A previsão de lançamento?
Confira aqui, na entrevista de Baleiro ao site Alô Música.
quinta-feira, 3 de abril de 2008
No preparo do rojão - A letra
No preparo do rojão
(José Luiz Penna/Tiago Araripe)
Meu sertão tá em plena festa
Comemorando a chegada do São João
As bicicletas passando
No rumo da feira
E o povo no preparo do rojão
E deste lado do mapa
O céu tem estrelas
E o rock perde feio pro baião
Saltei
Por muitas fogueira
Brinquei
Com sua razão
Mexi
No tarrabufado
Pra chamar sua atenção
Como é gostoso o baião.
p
O que seria sua vida sem você?
E como muitos acontecimentos se interligam nessa teia de memórias, lembro de um dos meus filmes prediletos: A felicidade não se compra. Com direção certeira de Frank Capra, conta a história de George Bailey (James Stewart) que, após uma série de decepções, decide pôr fim à própria vida. É quando um providencial anjo adquire forma humana para salvá-lo. Mais do que isso, possibilita a Bailey ver como teria sido a vida das pessoas do seu círculo de relacionamento sem a presença dele. Só então nosso herói pode perceber o quanto é importante para a família, os amigos, a comunidade.
A felicidade não se compra nos faz refletir sobre a nossa própria interrelação com as pessoas à nossa volta. De ponto de vista dessas pessoas, que diferença faria nossa ausência para amores, familiares, vizinhos e tantos seres humanos que povoam a nossa existência? Enfim, o quanto significamos para os outros? O quanto cada pessoa significa para nós?
É como diz Gonzaguinha, na canção Caminhos do coração:
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
Uma das razões de ser deste Blog é, ao reacender algumas dessas marcas, refazer laços humanos e promover novas conexões. Isso já está acontecendo.
Enquanto isso assista abaixo o trailer do filme (há cópia disponível em versão colorizada). Quem sabe você se anima a passar na locadora mais próxima.
Tiago Araripe
terça-feira, 1 de abril de 2008
No preparo do rojão
Estávamos em um dos ensaios freqüentes do Papa Poluição na Vila Madalena, quando recebemos a visita do Ari, baterista irmão do Oswaldinho. Ele nos fez dois convites, ambos prontamente aceitos.
Primeiro, queria uma composição para o repertório do próximo LP do versátil acordeonista. Ari portava um gravadorzinho, no qual improvisamos uma gravação caseira do baião No preparo do rojão.
O segundo convite era para que fôssemos no final de semana ao Forró do Pedro Sertanejo (pai do Ari e do Oswaldinho), no mais nordestino dos bairros de São Paulo: o Brás.
No sábado à noite o Papa Poluição estava chegando em peso no tradicional endereço de forró, quando eu e Penna tivemos uma surpresa. Justamente naquele momento Oswaldinho estava no palco executando nossa composição, com arranjo e tudo. A casa estava cheia, todo mundo dançando. Naturalmente, ouvir a música nova em folha naquele contexto tão vivo e vibrante me soou como algo especial.
No preparo do rojão se transformou também em faixa do LP Natureza (na foto, a capa), lançado pela Copacabana em 1979. (Para baixar as faixas do disco, clique aqui.) Detalhe: Oswaldinho gravou apenas a versão instrumental da música, cuja letra permanece inédita e descreve o sertanejo se preparando para a chegada do São João.
(Se alguém se interessar em conhecê-la, cartas para a redação.)
Anos depois, o mesmo Oswaldinho viria a ter brilhante participação musical em Fôlego de 7 gatos, uma das faixas do meu LP Cabelos de Sansão.
Tiago Araripe