sexta-feira, 28 de março de 2008

Telha de vidro

Um ano depois (ver post anterior), nova ligação telefônica de Amelinha anunciando a gravação de mais uma composição da velha fita cassete que eu enviara a ela anos antes: Telha de vidro. A música se tornou uma das faixas do LP Romance da Lua Lua (na foto, a capa). Como no disco que o antecedeu, a produção da bolacha é de Zé Ramalho. A faixa-título é de Flaviola (que conheci em Recife, na época do Nuvem 33), sobre poema de Garcia Lorca.

É um disco temático, como logo se vê. Ou se ouve. Todas as músicas falam, de alguma forma, da Lua - que em Telha de vidro entra no quarto pela dita cuja para dar um aviso.

Algo curioso: uma falha de revisão na contracapa desdobrou meu sobrenome e me transformou em parceiro de mim mesmo - ali, a autoria da canção é atribuída a Tiago Araripe-Alencar Araripe.

Encontrei Amelinha em outras ocasiões, em momentos distintos de sua vida. Quase sempre em São Paulo. Em um deles, um empresário inescrupuloso havia lhe dado um desfalque e a deixara numa situação difícil. Como cearense valente, ela já estava dando a volta por cima. Isso foi há muito tempo. Depois não mais a vi. Espero reencontrá-la um dia desses, sob o sol do Ceará.

A Amelinha, aquele abraço. A você que me lê, também.

Tiago Araripe

Um gosto de muito mais

No mesmo 1982 em que o Lira Paulistana lançou Cabelos de Sansão, chegava ao mercado de discos o novo LP de Amelinha: Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor (na foto, a capa). Entre as faixas, uma das muitas canções que fiz em parceria com José Luiz Penna: Um gosto de muito mais. Amelinha gravou a composição em grande estilo, com arranjo hollywoodiano e gran finale em que emite agudo brilhante.

Com o auxílio instrumental de Cid Campos e Xico Carlos, que na época participavam comigo do Papa Poluição, eu havia gravado uma fita cassete com três canções. A fita tinha destino certo, e esse destino atendia pelo nome de Amelinha. Enviei as composições para ela e, tempos depois, a encontro no Maracananzinho, num daqueles festivais da canção que a Globo fez no Rio de Janeiro. (Possivelmente tenha sido no próprio que ela conquistou o segundo lugar cantando Foi Deus que fez você.) Para minha surpresa, Amelinha me disse que havia recebido a fita mas não entendera nada: a gravação estava com rotação alterada... Argumentei que a havia testado em mais de um aparelho, sem problemas. Sem querer ser insistente, dei o incidente como favas contadas.

Passam-se meses. Estou na labuta, revisando textos na Editora Abril, quando toca o telefone. É Amelinha, dizendo que gostara muito das músicas e queria gravá-las (das três canções, gravou duas - em dois discos seguidos). Na ocasião era casada com Zé Ramalho, que me convidou ao Rio para assinar o contrato de edição na editora dele (Martelo).

O disco Cabelos de Sansão estava quase pronto: faltava minha voz e a mixagem. Levei comigo os playbacks, ao som dos quais cantei para o casal todas as faixas do LP. Zé Ramalho gostou tanto que me pediu para lançar o disco pela CBS, onde tinha contrato. Eu, entusiasmado com o movimento alternativo, não quis trair a causa. Principalmente depois de todo o investimento do Lira Paulistana no trabalho. Pudesse fazer de novo, não faria diferente.

No mais, descobri um grande ponto em comum com Zé Ramalho: a admiração pela música dos Beatles. Morando em Fortaleza, ele não hesitava em mandar alguém ao Rio buscar os mais recentes lançamentos - em disco ou vídeo - do quarteto de Liverpool.

Tiago Araripe

terça-feira, 25 de março de 2008

Entre o frevo e o manguebeat

Lendo o texto de Lula Wanderley postado anteriormente, lembrei do livro cuja capa se vê ao lado. Lançado no ano 2000 e tendo como autor o jornalista pernambucano José Teles, Do frevo ao manguebeat traça um painel abrangente da música produzida na terra de Chico Science.

Pela publicação eu soube do destino de músicos com quem compartilhei palcos de Recife, em 1971 e 1972. Em alguns casos, um trágico destino.

O Nuvem 33 é citado algumas vezes en passant, como neste depoimento - datado de 1974 - do também jornalista e músico Marco Polo:


Acho que o Tamarineira foi muito importante no movimento musical recifense porque, por coincidência, nós pegamos uma fase em que o público jovem pernambucano estava se descondicionando de todas as repressões que sofria e procurando uma liberdade de comportamento que antes não tinha. Então coincidiu de a gente começar numa época em que todos os caras jovens do Recife estavam numa ânsia terrível de se integrar a uma cultura, vamos dizer, pop, e aqui ainda não existia nada assim. Existiam, claro, alguns precursores, como Flávio e Tiago do Nuvem 33, mas a coisa ainda não tinha criado um clima de movimento. Então a importância do grupo foi mais cultural que musical.

Outro lançamento recente possivelmente ofereça generosa complementação ao livro de José Teles. Falo de Hibridismos musicais de Chico Science e Nação Zumbi, de Herom Vargas.

Se você está disposto a mergulhar nessa história, vale investigar.

Tiago Araripe

domingo, 23 de março de 2008

Nuvem 33, por Lula Wanderley

Foto: Lula, 1972

Recife dos anos setenta organizava-se culturalmente em torno de artistas
“oficializados” pelo estado e pela população. Para eles convergiam as verbas públicas e todo o mercado de arte. À margem disso, um bando de jovens talentosos, sem acesso a nada e num difícil dilema entre a arte e a sobrevivência, tinha as ruas de Recife como ponto de encontro das idéias.

Conheci Tiago Araripe na calçada da Rua da Aurora, sentado numa mureta ao longo do rio Capibaribe. Aproximei-me dele pelos gibis que tinha em mãos e que me ajudariam a passar o tempo naquele fim de tarde. Logo as identificações que tive com suas idéias sobre arte prolongaram nossa conversa. Nos tornamos amigos, e mostrou-me um pouco de seu trabalho como contista e músico.

(Tínhamos cabelos grandes, o que era raro em Recife daquela época. Enquanto conversávamos, ouvi de dois senhores logo atrás de nós:
- São veados?
- Não, podem ser artistas.
Não sendo veado, foi a primeira vez que me senti um artista reconhecido. )

Nessa mesma época, em circunstâncias parecidas, conheci um diretor de teatro que me convidou para um encontro de elaboração de uma peça. Tácito Borralho (nunca mais tive notícias) era um artista talentoso que gostava do pensamento descontínuo e anárquico. Suas peças eram feitas a partir de “restos de idéias” e imagens soltas, e eram abertas à participação de todos. Por isso seu grupo se chamava Armação. Na primeira reunião que participei, o músico convidado pediu desligamento do grupo deixando um vazio constrangedor para Tácito. Antônio Nóbrega (hoje reconhecido músico, ator e coreógrafo), que conhecia dos tempos de ginásio no Colégio Marista, sonhava com vôos mais altos e mais claros que sua formação erudita permitia. Logo me apressei em propor Tiago ao grupo. E como desapareci dos ensaios antes de trazê-lo, Tácito andou pelas ruas de Recife atrás do artista que, além da musicalidade, tinha um timbre de voz estranha e lidava maravilhosamente com as palavras.

Tiago compôs seis a oito músicas para o Armação. Eram extremamente originais e me entusiasmaram a entrar naquele labirinto de Tácito, que me levou a uma desastrada experiência como ator.

(Minha proposta inicial era ajudar Tácito nos cenários e vestimentas, mas terminei escrevendo uma parte da peça e atuando como ator. A peça era num castelo medieval, e todos usavam um pequeno saiote. Nervoso, peguei o saiote errado que, de tão pequeno, não cabia em mim. Resolvi ficar nu para fazer menos volume no corpo, para o saiote entrar, e meus ovos ficaram de fora. Entrei em cena, era o garçom do castelo, e arranquei delirantes risos e aplausos. Todo o elenco se constrangeu menos eu, que até o fim não percebi nada e curtia o meu sucesso. Encerrei minha carreira de ator depois de ser “ovacionado” no Festival de Teatro Amador de Caruaru, ao receber o prêmio “O OVO DE OURO”.)

Fim do Armação, Tiago me convidou para formar um grupo de música que chamou de Nuvem 33. Que poderia um artista gráfico, que não tocava instrumento algum e nem dançava porque não tinha ritmo, fazer num grupo musical? Tiago, como o Antônio Nóbrega que substituiu no Armação, tinha forte sotaque nordestino. Mas enquanto Antônio costurava seu sotaque, através de um fio erudito, a uma cultura popular, Tiago costurava-o através de uma atitude experimentalista, a uma cultura de massa que começava a invadir nosso cotidiano. História em quadrinhos, subliteratura, notícias populares eram as matérias-primas de suas músicas que, algumas vezes, se estendiam para além do campo musical transformando-se em pequenos jornais, quadrinhos ou contos. Era o início da nova tecnologia (não me refiro ao computador, mas ao mimeógrafo eletrônico) que nos trouxe a ilusão de poder ser, além de receptor, emissor/editor de informações e alcançar o cotidiano das pessoas. Eu, Rodolfo Mesquita e Humberto Avellar (Bactéria), três atuantes artistas gráficos da época, nos tornamos parceiros em suas composições.

O ponto alto do Nuvem33 foi a Retreta Eletrônica no Teatro do Parque. Um espetáculo em que fundimos a música à experiência gráfica e performática. Em um determinado momento atravessei o palco com um “carrinho de rolimã”. Anos depois, Alex Hamburgo e Márcia X (grandes artistas carioca) se notabilizaram ao atravessarem de patinete (um rolimã sofisticado) um recital de John Cage na sala Cecília Meirelles, no Rio. Houve uma sintonia contemporânea no Retreta Eletrônica que nunca esqueci.

O “efêmero 33”, como chamava o Tarcísio da Livro Sete, acabou rápido sem deixar um registro – um disco qualquer. Foi uma brincadeira quase juvenil (éramos jovens), mas alavancou a cena musical do Recife dos anos setenta. Logo depois, com força e alcance, Marco Polo e seu Ave Sangria (antigo Tamarineira) sintetizou em shows e disco todo o pensamento de uma geração de artistas plásticos, poetas e músicos pernambucanos que, por não seguir o caminho da “oficialização” institucional, quase ficou condenada ao esquecimento.

Tiago foi morar em São Paulo, e eu rumei para o Rio. De São Paulo me enviou o Cabelos de Sansão, disco antológico da música popular brasileira.

Lula Wanderley


Outras vozes - 10

Este é o psiquiatra e artista plástico Lula Wanderley, com uma de suas pacientes. Falei a respeito dele quando lembrei o trabalho desenvolvido pelo grupo Nuvem 33, na Recife do início dos anos 70.

O Nuvem 33 reunia música e arte, tendo como base as idéias criativas de Otávio Machado, ou Otávio "Bzzz". Otávio tinha uma espécie de visão eletrônica do trabalho, além do conceito multiforme de lidar com diferentes formas de expressão.

Mas voltando a Lula Wanderley, ele concebeu alguns dos cartazes dos shows do Nuvem... - em que costumava desenhar a personagem Moma, da canção que fiz na época: Moma, seu banjo e o Dr. Bizarro. Atualmente, conjuga muito bem as habilidades de artista plástico com o conhecimento que tem da psiquiatria. (Algumas das suas experiências estão no livro que escreveu, O dragão pousou no espaço.)

Lula mantém, por exemplo, grupo de ações poéticas musical/performático - o Sistema Nervoso Alterado - formado por pacientes psiquiátricos, que se apresenta em teatros pelo país. (A foto acima registra, em Bauru/SP, momento do espetáculo engraçado e criativo chamado As Camisas de Forças Sociais.) Segundo Lula, "é um desfile de moda musicado (a banda é maravilhosa), em que os clientes vestem camisas de força que normalmente são usadas por nós: camisas de forças políticas, cotidianas, sociais, matrimoniais, camisa de força da imprensa, do futebol etc.". Há 4 anos o espetáculo é apresentado, e sempre surgem novos convites para mais.

Ele escreveu um depoimento exclusivo para este Blog, onde fala inclusive sobre o Nuvem 33.

A seguir, com você, Lula Wanderley.

Tiago Araripe

quinta-feira, 20 de março de 2008

Noite de Jazz em Toulouse



Paulo Costa interpreta Bem me queria, parceria com Tiago Araripe.

E como quem não fica parado é post, rumamos agora para o Velho Continente. Estamos no dia 16 de outubro de 2007, e mais uma programação de jazz anima a noite francesa de Toulouse: é o Festival Jazz sur son 31, que acontece há mais de vinte anos na região do Haute-Garronne, nessa acolhedora cidade ao sul da França. Por ele já passaram nomes como Miles Davis, Carlos Santana, Sonny Rollins, Wynton Marsalis, Hermeto Pascoal, Joao Bosco, Diana Krall e dezenas de outros. A atração que sobe agora ao palco vem do Brasil, mais exatamente da Bahia. Seu nome é Paulo Costa. Cantando ao violão, ele se apresenta acompanhado por quarteto formado por Carsten Weinmann na bateria, o paulista Chico Rodrigues na guitarra elétrica e teclado, Guillaume Gendre no contrabaixo e Malek Boubecker no saxofone. No repertório, canções de Paulinho em parceria com letristas e compositores brasileiros, como José Luiz Penna e eu.

Mais de um quarto de século depois que o Papa Poluição cerrou cortinas, estamos de novo interligados e produzindo música. Mesmo que em cenários tão distintos, como São Paulo, Fortaleza e Toulouse, de alguma forma continuamos. A história, como uma árvore que se desenvolve e ramifica, agora se desdobra em muitas outras.


Tiago Araripe

terça-feira, 18 de março de 2008

Novíssimas vozes - Clarissa Araripe

Clarissa Araripe e Manassés de Souza, em foto de Galba Sandras.

Tive a oportunidade de assistir a um show especial, em um desses dias em que a sorte dá sinais de que está do nosso lado. Era do Jon Anderson, vocalista do Yes que foi a São Paulo para uma apresentação única. Não houve divulgação na imprensa: o evento, realizado em grande casa de espetáculos localizada em Moema, era para um público restrito. Graças a um amigo, executivo da empresa que fez a produção, pude estar presente.

O show foi perfeito, com banda numerosa integrada por músicos de diversos países. World music da melhor qualidade. Em determinado momento, Jon Anderson, todo vestido de branco, disse que iria mostrar sua mais bela composição. Entrou em cena uma mulher jovem, muito bonita, que ele apresentou à platéia hipnotizada: era sua filha Deborah. Ela cantou uma suave canção ao violão, que me impressionou profundamente.

Lembrei desse episódio ao postar, abaixo, trecho do show de lançamento do CD da minha filha, Clarissa Araripe, e do jovem cantor e compositor Marcos Lessa. Show e disco têm o mesmo nome: Olhares da vida.

O vídeo registra o encontro no palco, em novembro de 2007 em Fortaleza, de Clarissa e do músico cearense Manassés de Souza. Eles interpretam Olhares, originalmente uma composição instrumental de Manassés que me chamou a atenção pela bela melodia de inflexão nordestina - quase um convite para a letra que me prontifiquei a escrever. Graças a Clarissa e ao próprio Manassés, o resultado agora pode ser visto e ouvido aqui:


Tiago Araripe

Cabelos muito compridos de Sansão, por Cid Campos - 2

Em 1980 formei, juntamente com Xico Carlos (bateria), Felipe Ávila (guitarra), Luiz Brasil (guitarra, bandolim) e um pouco mais adiante com a participação dos percussionistas Cabral e Guelo, o grupo instrumental Sexo dos Anjos. Era uma banda e tanto, que trazia um repertório autoral de música instrumental brasileira mesclada ao jazz, blues e outras modalidades. Nunca gravamos um disco. A situação na época era muito difícil para a música instrumental, não havendo muita chance junto às gravadoras e assim, infelizmente, não tivemos a sorte de uma boa oportunidade, mas por outro lado fizemos inúmeros shows, que nos davam enorme prazer e respeitabilidade como músicos instrumentistas.

Até hoje Felipe Ávila, que segue sua carreira como instrumentista e compositor, tem participado de meus shows. Além disso fiz questão de tê-lo como guitarrista e violonista na gravação dos meus CDs No Lago do Olho (2001) e Fala da Palavra (2004). Em dezembro de 2007, tive a oportunidade de reunir Felipe e Luiz numa apresentação que fiz no Rio de Janeiro. Foi muito legal! Quase dava para sentir o Sexo dos Anjos no palco!

Em 1981, juntamos em um mesmo show o Sexo dos Anjos e Tiago Araripe. O espetáculo chamava-se Fôlego de 7 Gatos e foi apresentado no teatro Lira Paulistana. A maior parte das músicas que Tiago apresentava viriam a fazer parte de seu primeiro e único LP, que estava por vir. Não lembro bem, mas talvez tenhamos montado o show já pensando em alguma possibilidade de gravação.

Creio que ainda em 1981 ou início de 1982, Tiago veio com a notícia de ter conseguido uma oportunidade para gravar um LP pelo selo Lira Paulistana. Assim, convidou, entre outras participações, o Sexo dos Anjos para fazer alguns dos arranjos e gravar como banda de base. O repertório era composto de músicas suas e parcerias.

Apesar de termos recuperado, há alguns anos, gravações de shows e de estúdio do Sexo dos Anjos, o LP Cabelos de Sansão registra um pouco da sonoridade de nossa banda que, mesmo contando com participações de outros músicos ou não estando completa em todas as faixas, deixou forte marca de sua personalidade sonora no trabalho.

Ainda no disco Cabelos de Sansão (1982), tive a minha primeira música gravada. Trata-se da canção Estrela-do-mar, parceria com Tiago. Também destaco a música Asa Linda, tradução de Augusto de Campos para Little Wing, de Jimi Hendrix, interpretada lindamente por Tiago, e para a qual eu e Paulo Costa fizemos o arranjo, ainda contando com a participação - no baixo - do baterista multinstrumentista Xico Carlos.

Gostei muito de escrever algo sobre essa época tão importante para todos nós e fico feliz pelo fato de que Cabelos de Sansão está, mesmo que tardiamente, se transformando em CD.

Espero sinceramente que Tiago siga em frente com a sua belíssima voz, suas composições geniais e que, depois desse lançamento, não demore a trazer aos nossos ouvidos novas canções e CDs.


Cid Campos

Na imagem, capa de peça de divulgação do show Fôlego de 7 Gatos. Na foto, da esquerda para a direita, Xico Carlos, Cid Campos, Felipe Ávila, Luiz Brasil e Tiago Araripe.

Cabelos muito compridos de Sansão, por Cid Campos - 1

Mesmo tendo tocado em inúmeras bandas durante a minha adolescência e até tendo participado da montagem e como músico no I Festival de Águas Claras, em Iacanga (SP, 1974), a minha primeira grande experiência musical profissional ocorreu no final dos anos 70, quando, ainda muito jovem, passei a integrar como baixista o grupo Papa Poluição. Formado por Zé Luiz Penna (voz), Tiago Araripe (voz), Paulo Costa – que na época assinava Paulinho da Costa (voz e guitarra), Beto Carrera (guitarra) e Xico Carlos (bateria), o Papa já existia há algum tempo. Com a saída de Bill Soares, surgiu a oportunidade para que eu entrasse para o grupo. Houve uma empatia total e de cara, entre ensaios e preparativos, fomos fazer uma sessão de fotos realizadas por Hermano Penna numa garagem cheia de quinquilharias e figurinos, para divulgação do show que estrearia em novembro de 1978 - Projeto Blue Cap´s. Nem é preciso dizer que as fotos ficaram um arraso!

Todos os músicos eram muito mais experientes do que eu, com muita estrada, shows realizados e ainda, no caso específico de Paulo Costa e Xico Carlos, com grande experiência em estúdios profissionais de gravação, onde trabalhavam regularmente. Isso tudo me fazia ver o quanto tinha a aprender e, ao mesmo tempo, sentia-me cada vez mais motivado diante dos novos desafios.

As composições do Papa eram feitas por Zé Luiz, Paulo e Tiago. As músicas eram muito bacanas, misturando rock com ritmos brasileiros, meticulosamente arranjadas por Paulo e executadas com maestria pelos integrantes da banda. Xico Carlos, exímio baterista, era expert em fazer levadas tipicamente brasileiras, que mescladas às guitarras de Paulo e Beto, definiam com precisão o estilo musical do grupo. As letras eram ecléticas, muitas vezes trazendo críticas sociais, como Na Fila do INPS, passando pela regionalíssima Rola Coco e chegando até Drácula, lindo tango de Tiago Araripe, sobre o poema/letra do poeta Décio Pignatari, cuja faixa, com interpretação de Paulo Costa, está incluída no CD Verbivocovisual (2007), por mim produzido em tiragem limitada e já esgotada, que homenageia a Poesia Concreta – mas pode ser escutado aqui.

Foram anos muito ricos para mim e realmente, através desses amigos, conheci de perto o mundo dos estúdios, dos shows e ensaios, que fazíamos na casa do Zé Luiz, na Vila Madalena, quando a Vila ainda não era nada do que é hoje. Passei nessa época a dividir uma pequena casa na rua Girassol com Xico Carlos, que se tornou especialmente um grande amigo e companheiro de batalha. Todos morávamos nos arredores, freqüentávamos assiduamente o bar “Sujinho”, na esquina da rua Morato Coelho com a rua Wisard, e de alguma forma pude acompanhar, junto a esses amigos, a chegada ao bairro de muitos outros músicos e artistas, o crescimento constante e finalmente o agito que acabou virando o bairro de Vila Madalena. Zé Luiz já morava por ali há algum tempo, mas creio que fomos alguns dos primeiros músicos cabeludos do bairro, que até então era habitado, em geral, por operários, antigos moradores e alguns bandidos, como o Lanchão – com quem éramos obrigados a conviver mas, com todo o respeito, atravessávamos a rua sem vacilar se o avistássemos no mesmo lado da calçada.

Participei também, com o Papa Poluição, dos arranjos de base e execução da trilha sonora do filme longa-metragem Sargento Getúlio, baseado em livro de Ubaldo Ribeiro, dirigido por Hermano Penna, cujas belíssimas composições foram feitas por Zé Luiz, Paulo e Tiago. As gravações ocorreram em São Paulo, no Estúdio Eldorado. Lembro que quando entrei nesse estúdio fiquei maravilhado com o tamanho da sala de gravações, a técnica com enormes caixas acústicas, a mesa de som e todos os aparatos técnicos característicos de um estúdio de grande porte. Jamais havia entrado num estúdio assim. Pensava comigo, quantas pessoas maravilhosas deveriam ter passado por ali, quantas gravações realizadas e que naquele mesmo ambiente Caetano Veloso gravara uma de suas obras mais fantásticas, Araçá Azul... Estava deslumbrado. Demorei um pouco para me acostumar com a luz vermelha que acendia quando se iniciava uma tomada de gravação e confesso que tremia na base quando o engenheiro de som dizia a palavra: – gravando! Porém, me tranqüilizava quando olhava para o lado e via Zé Luiz, Paulo, Tiago, Beto e Xico muito à vontade. Me saí muito bem nas sessões de gravação e realmente depois dessa experiência, me senti preparado para tudo.
(Continua)
Cid Campos
x
Na imagem, reprodução da capa de peça de divulgação do show Projeto Blue Cap´s. Na foto central, de pé, Penna e Cid; agachados, Beto, Paulinho, Tiago e Xico Carlos.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Outras vozes - 9

E outras vozes continuam chegando a este Blog na forma de textos e imagens, lançando novas luzes sobre muito do que vem sendo lembrado e informado aqui.

A foto acima (no click de Paulo Miranda) mostra, durante apresentação do show Fala da Palavra, mais um importante personagem do disco Cabelos de Sansão: o compositor e baixista Cid Campos.

Parceiro da canção Estrela-do-mar, que abre o lado B do LP, Cid integrou o Papa Poluição depois de Bill Soares, tendo participado com o grupo da trilha musical do filme Sargento Getúlio. Aliás, ele é autor de um dos temas instrumentais do longa-metragem de Hermano Penna.

Com a dissolução do Papa em 1980, Cid formaria com Felipe Ávila, Luiz Brasil e Xico Carlos o grupo instrumental Sexo dos Anjos (não sei se ele lembra, mas fui eu quem propôs o nome da banda).

Somando forças, apresentamos juntos o show Fôlego de 7 Gatos no Lira Paulistana, em 1971, que foi uma espécie de cartão de visita para a gravação de Cabelos de Sansão e é o título de uma das faixas do disco.

Cid é filho do poeta Augusto de Campos, tendo dado importante suporte sonoro à obra do pai.

A seguir, com você, Cid Campos.

Tiago Araripe

domingo, 16 de março de 2008

Direitos autorais, quem papa?

Mais um episódio para ilustrar o texto de Penna do post anterior.

Certo dia conseguimos agendar e fazer uma entrevista do Papa Poluição (foto) em programa ao vivo da Rádio Bandeirantes. Uma das faixas do nosso compacto é executada então para todo o país. Uma pequena vitória na labuta diária pela conquista do merecido lugar ao sol, na intrincada teia da música industrial brasileira.

Corte para um ou dois dias depois. Estamos no prédio da Continental, onde anos mais tarde seria prensado o LP do Lira Paulistana Cabelos de Sansão. Penna e eu fazemos uma visita de rotina a Vítor Martins, na editora musical que este administra. Temos algumas composições editadas lá.

Vítor nos recebe com a simpatia de sempre. Possivelmente nesse momento, como em outros, tenha nos mostrado a letra de uma de suas parcerias recentes com Ivan Lins. Sobre a mesa de centro do escritório, um envelope lacrado com a palavra Confidencial em destaque. É o boletim diário enviado por sociedade de direitos autorais que monitora a execução de músicas nas emissoras de rádio. Corresponde exatamente ao dia da participação do Papa no programa da Rádio Bandeirantes. Sem cerimônia, abrimos o envelope para ver o nome do grupo pontuado na programação. Mas, para nossa surpresa e decepção, o que está lá diverge da realidade dos fatos. Alguém substituíra nossa banda por outra, bem como a respectiva música...

Encaminhamos reclamação ao órgão competente via nossa editora, graças à pronta disponibilidade de Vítor Martins. Depois temos notícia de que o funcionário da sociedade de direitos autorais implicado no caso havia sido demitido. Teria sido um fato isolado? O incidente nos dá a clara noção de que não estamos exatamente em um parque de diversões, embora nosso trabalho seja cultura e entretenimento.

Tiago Araripe

quinta-feira, 13 de março de 2008

Achados e perdidos no ciber-espaço

Estávamos gravando no estúdio Eldorado aquela canção que falava dos Beatles, nas brechas dos jingles e pelo prestígio do Paulo Roberto, quando não sei vindo de onde, um cara chamado Scaramboni, produtor de sucesso nos anos 70, e Reinaldo Barriga, um rato de estúdio meu amigo até hoje, chegaram. Ouviram e gostaram muito de tudo. Principalmente dos custos quase zerados. Foram logo falando em LP. E nós, sem ouvirmos qualquer proposta industrial para o trabalho, insistimos num compacto de apresentação, coisa que hoje se faz muito.

A gravadora seria a Top Tape, e fomos para a divulgação entrando num mundo barra pesada. Foi impactante ver o outro lado da execução nas rádios. O jabá corria solto e a nossa gravadora não queria gastar nada com aqueles jovens irreverentes. Para nos acompanhar, nomeou um divulgador com muita rodagem chamado de Janelinha, apelido esse, suponho, de tanto implorar para tocar de graça. Certa vez, nos corredores da Rádio Globo, vimos ele desfilar, às sete da manhã, de bicha louca diante dos presentes para que sua majestade, o animador, tocasse a nossa música. Que humilhação praquele senhor baixinho.

Refletimos e chegamos à conclusão que nós teríamos que abrir o nosso próprio espaço. Fomos à Bandeirantes, que ditava a programação das emissoras na época, e conseguimos entrar. A canção foi sendo executada até um dia sumir de vez. Tivemos um trabalho danado para saber o que houve. Não é que a nossa gravadora tinha pedido ao programador da rádio para trocar o nosso espaço, conseguido a duras penas, pelo disco do Steve Wonder? Aí não deu mais. Fomos no dia seguinte, eu e o Tiago Araripe, bem cedo à Top Tape, munidos de bastões, e pixamos todos os cartazes dos astros internacionais com obscenidades. E ficamos esperando funcionários e diretores para recebermos nossa rescisão contratual. Foi um belo escândalo. Enfrentamos a partir daí o colapso total. As gravadoras determinaram o fim DISCOGRÁFICO do PAPA POLUIÇÃO.

Tiago foi de Cabelos de Sansão. Chico e Cid nos Sexos dos Anjos. Eu e Paulinho, uma dupla nada caipira. Beto foi pra noite e outros bicos. O Bill já tinha ido para sua prancheta de bom desenhista.

Essa historia precisava ser contada, pra que perrengas menores não explicassem o desfecho. Hoje tenho certeza de que não havia caminhos para a banda. Queríamos discutir o futuro da música industrial, e a alternativa da produção independente nos afastava desses objetivos, e teria vida curta, como de fato aconteceu. E o mercado do disco estava preso numa rede mesquinha de jabás, burrices e que-tais.

Hoje, depois de uma conversa que tive com músicos baianos, vejo impossibilidades novas. Não existe mais direitos autorais, e quem vive da composição sente os efeitos dramáticos da pirataria e da Internet. O pior é não existir compreensão clara sobre o futuro. Nem uma palavra oficial de alento. Lost in ciberspace.

José Luiz Penna

Outras vozes - 8

Outros pontos de vistas são bem-vindos, porque permitem ver a mesma situação de diferentes ângulos. É o caso do próximo depoimento de José Luiz Penna, que será postado aqui logo mais. Ele mostra a relação do Papa Poluição (foto, Penna ao centro) com a indústria fonográfica, e desta com as emissoras de rádio. E como tudo isso, no contexto do jogo pesado do mercado musical, colocou um ponto final na trajetória discográfica da banda.

Dentre as pessoas que integraram o Papa Poluição, Penna foi o que mais politicamente pensou o grupo. Seu depoimento complementa dois textos postados neste Blog em fevereiro, sob o título À procura de um hit (A e B).

A seguir, com você, José Luiz Penna.

Tiago Araripe

quarta-feira, 12 de março de 2008

O revisor - 2

Suzana Salles e Ná Ozzetti me indicaram a professora de canto de ambas, Cláudia Mocchi. Durante um ano ela me deu aulas de técnicas vocais no estúdio anexo à sua casa, no bairro de Moema. Mulher notável. Morou na Itália, onde foi soprano no Scala de Milão e teve bem sucedida carreira interrompida por motivos que recheariam um bom romance. Aliás, ela tinha planos de escrever um livro sobre a própria vida. Espero que tenha escrito.

Na época Cláudia Mocchi também ensinava a cantoras como Virgínia Rosa (intérprete da bela canção A flor e a quem fui apresentado quando ela começou a fazer vocais, com Suzana, na Banda Isca de Polícia do Itamar Assumpção) e a cearense Mona Gadelha (que conheci após uma apresentação do Papa Poluição em Fortaleza e reencontrei anos depois em São Paulo).

Entre os revisores da Abril trabalhei também com Gabriella Santini, uma pessoa admirável. Ficamos amigos, e não raro ela estava nos meus shows, com o bom astral que lhe era peculiar. Tinha uma bonita voz, e a convidei para os vocais do disco Cabelos de Sansão. Lembro da emoção da Gabi ao cantar ao lado de intérpretes como Tetê Espíndola, Itamar Assumpção, Vânia Bastos, Passoca... Descanse em paz, Gabriella.

Saí da Editora Abril quando o Chico César estava entrando. Como ter dois revisores músicos logo virou notícia na empresa, fomos imediatamente apresentados. Ainda devo ter, em algum lugar, a fita cassete que o Chico me deu na época. Reúne algumas canções demo que depois seriam gravadas e se tornariam conhecidas no Brasil inteiro, como Béradêro e You Yuri.

Aos revisores, aquele abraço.

Tiago Araripe

terça-feira, 11 de março de 2008

O revisor

Durante aproximadamente dez anos ganhei a vida fazendo revisão de textos para grandes editoras de São Paulo. Assim, encarafunchar palavras e trabalhar com música foram duas atividades que conviveram juntas por muito tempo no meu calendário. Nada mal para quem sempre gostou de livros e leitura...

Eu era então como naquela canção do Belchior, um rapaz vindo do interior sem dinheiro no bolso nem parentes importantes. O nascimento da minha primeira filha me levou a uma atitude radical: procurar emprego. Assim, numa madrugada gelada cheguei ao portão industrial da Editora Abril, onde me inscrevi para uma possível vaga de revisor.

Depois de meses e de uma bateria de testes que parecia não ter fim, fui convidado à fase final do processo de seleção: a entrevista com o gerente do setor. Soube, tempos depois, que ao me ver cabeludo e com roupas pouco indicadas para a ocasião, ele pensou com seus botões: "Este aí não tem cara de quem gosta de trabalhar..." Mas, por alguma misteriosa razão, fui contratado para o período noturno: das 22 às 6h. Enquanto a maior parte da população dormia, eu queimava as pestanas debruçado sobre os textos das publicações da Abril. E quando as pessoas normais começavam a acordar, tudo o que eu mais queria era dormir. Vivi, por um par de meses, numa espécie de terceira dimensão ou universo paralelo. Depois consegui mudar de turno, e a vida ficou mais próxima do normal.

Eu era um operário das palavras, e gostava disso. Gostava de atravessar todos os dias o parque gráfico da editora, que tinha a fama de ser o maior da América Latina (uma das máquinas chegava a trespassar três andares inteiros). O cheiro de tinta, da impressão das revistas recém-saídas das máquinas, me dava a sensação de que algo novo estava sempre acontecendo: o mundo se renovava a cada instante. Eu batia cartão de ponto, comia no bandejão com a peãozada e era revistado ao final de cada expediente - para se certificarem de que não levava alguma revista enfiada sob a camisa (algo meio constrangedor, que passei a encarar como tediosa rotina).

Quando gravei Cabelos de Sansão precisei conjugar as sessões no estúdio com o dia-a-dia de revisor: acordava às 4h, ia de ônibus da rua Teodoro Sampaio até a praça Marechal Teodoro onde, diante das instalações da Rede Globo, esperava o ônibus da Abril que me levava à sede da empresa na Marginal Tietê. Às 14h, tomava mais um ônibus que me deixava próximo ao estúdio Áudio-Patrulha, do Tico Terpins e do Zé Rodrix. Muitas vezes as gravações se estendiam até tarde da noite ou mesmo madrugada adentro. Logo era hora de acordar e começar tudo de novo. Apesar de eu às vezes parecer um sonâmbulo, todo o processo foi muito estimulante.

Até hoje tenho muita simpatia pela classe dos revisores. Nessa profissão, conheci pessoas interessantes, cultas, bem informadas, criativas. Entre elas Suzana Salles, que fazia parte do coro de Arrigo Barnabé e depois foi minha vizinha na rua Fradique Coutinho (em seguida ela iniciaria um consistente trabalho solo). Um dia apresentei a Suzana e a Ná Ozzetti a música Princesa Encantada, na gravação original da dupla sertaneja Cacique e Pagé. Foi paixão à primeira vista. As duas, sagitarianas com aniversário na mesmo data, fizeram um show no Lira Paulistana que batizaram de Princesa e Encantada. Mais tarde Ná gravaria a canção em um dos seus belos discos.

(Continua no próximo post).

Tiago Araripe

Enquanto a reforma ortográfica não vem...

Ao cuidar de um revisor ferido
Fique atento:
Lembre de pôr o trema
No seu ungüento.


Tiago Araripe
(Como Chico César, já fui revisor - eu sei)

segunda-feira, 10 de março de 2008

Outras vozes - 7

Complementando o post anterior, aí está a capa do CD O Peixe, de Abidoral Jamacaru. Tive a oportunidade de participar também, em São Paulo, da gravação do primeiro disco de Abidoral, o LP Avallon (na faixa Canção para ninar o Cariri, fiz a segunda voz). Avallon tem também a contribuição de dois parceiros do Papa Poluição: Paulinho Costa e Xico Carlos.

Algum dos leitores mais antenados sabe do paradeiro do Xico Carlos? Caso positivo, cartas para a redação...

Tiago Araripe

quinta-feira, 6 de março de 2008

Outras vozes - 6

Acima, o cartaz do show da cantora, atriz e radialista cearense Marta Aurélia, que acontece nesta sexta-feira em Fortaleza.

No repertório, Marta Aurélia incluiu a canção Oxum - parceria que fiz com o compositor cratense Abidoral Jamacaru e foi gravada por este no CD O Peixe.

Bom espetáculo para você.


Tiago Araripe

quarta-feira, 5 de março de 2008

Aos garimpeiros de plantão

Em estado bruto, a imagem ao lado pareceria apenas uma pedra diferente ao olhar distraído. Exposto no Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, é uma espécie de obra de arte abstrata concebida pela natureza.

O que isto tem a ver com este Blog?

Aparentemente nada. Aos garimpeiros de plantão, espero que soe como um estímulo a novos achados. Porque a maioria dos textos aqui postados trazem mais que entrelinhas: reúnem links que remetem a novas descobertas e possibilidades.

Quem tiver tempo, paciência e disposição pode utilizar as palavras-chaves assinaladas para abrir portas tanto a simples informações bibliográficas como a um amplo leque de dados e análises sobre personalidades, livros, filmes etc. Tanto à cifra de uma canção popular quanto ao vídeo de uma interpretação inesperada daquela música que você conhece e gosta. Tanto ao site oficial de uma celebridade quanto a um artigo de fundo sobre determinado gênero literário.

Não há grande rigor na escolha dos links, sobre cujos conteúdos este Blog não se responsabiliza. Alguns, entretanto, são verdadeiros achados. Aos garimpeiros de plantão, espero que sejam um prato cheio. Ou melhor: uma batela cheia.

Aproveite.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Tempo Tempo Tempo

Crato. Recife. São Paulo. Fortaleza. Pontos cardeais da minha carta de navegação. Outras coordenadas extrapolam a mera geografia: auxiliam a definir o rumo e manter o curso.

Aprendo a respeitar o Tempo. Olho mais para o alto. Contemplo as estrelas. Vislumbro horizontes. Examino a mim mesmo. Sinto o pulsar do músculo cardíaco. Percebo a vida. Vejo causas e efeitos. As ilusões perdidas. As lutas ganhas. Os valores mais sólidos. Maior leveza nos momentos mais graves. Paz mais duradoura. Reconhecimento do bem recebido. Saber que não estou só. Compreender melhor a mim mesmo e às pessoas. Aprender sempre. Respirar fundo para cruzar as procelas. Agradecer por cada dia transcorrido. Amar a mesma mulher. Gostar de não ter cabelos nem me incomodar com o branco progressivo sobre os poucos que ainda me restam. Olhar com tranqüilidade para o que fui, o que sou e o que ainda posso ser. Não temer as limitações. Não fugir das potencialidades. Permitir que a vida flua e que as oportunidades aconteçam. Procurar o sentido de cada coisa, mesmo sabendo que nem sempre a gente encontra sentido em tudo. Sofrer menos. Sorrir mais. Ser e estar. Simplesmente viver.

Tiago Araripe

Na imagem, ilustração da designer gráfica Andrea Pedro para o encarte do CD Cabelos de Sansão (no prelo).

domingo, 2 de março de 2008

Estréia no estúdio, por Bill Soares

Naquele dia o meu coração teimava em bater no contratempo... Era a realização do sonho de um menino que saíra de Recife, onde ainda adolescente já trabalhava com sua banda The Lions no programa ao vivo Cidade Encantada, com a apresentadora Linda Maria (na passagem dos anos 60 para os 70). Entrar no estúdio da gravadora Chantecler/Continental para gravar o primeiro disco, que maravilha! Jamais eu poderia imaginar que ali estava para começar a experiência mais importante (e tensa) da minha jovem carreira artística.

O estúdio Gravodisc (mais usado para gravar música sertaneja) tinha apenas quatro canais. Carvalho, o produtor, falava que bateria, baixo e guitarra deviam ser gravados ao mesmo tempo, como se fosse ao vivo. Ah! Ainda tínhamos que arrumar um jeitinho de enfiar a percussão lá sem queimar canais, como falavam naquele tempo... Feito isso seriam gravadas as coberturas, guitarra solo e, por último, voz e vocais. Tudo isso cheio de manhas, como o posicionamento diante dos microfones, os músicos uns por cima do outro ou a metros de distância entre si, tapadeiras tipo biombo etc. Tudo para que a emissão de um instrumento ou uma voz mais potente não sobressaísse. Uma cena circense...

O coração começou a bater muito forte e de forma irregular, tirando o sincronismo e a pegada rítmica que fez do contrabaixo um instrumento tão importante nos nossos arranjos. Os integrantes da banda estavam todos com os olhos grudados em minhas mãos, que teimavam em não obedecer a tudo que havíamos ensaiado... E nós tínhamos tudo na ponta dos dedos: ensaiávamos de segunda a sábado, ano após ano, em média quatro horas por dia sem falhar. Fazíamos os shows com os olhos fechados e os pés nas costas...

Na verdade, os integrantes da banda torciam para que um após o outro conseguíssemos tocar sem erros, com um mínimo de repetição possível, pois o tempo disponível em estúdio era limitado, e para um artista iniciante como eu parecia ainda mais curto. Dos seis integrantes da banda, só o Paulinho tinha boa experiência em estúdio de gravação, seguido do Xico Carlos.

Depois de muitas repetições (quando eu comemorava o meu acerto a bateria não tinha ficado tão boa), finalmente foi ouvido o grito: OK, valeu! Valeu! Lindo! Próxima...

Ao final, comemoramos todos como uma final de campeonato. Uma experiência única e inesquecível! Senti-me ótimo! Fiquei me achando... Esse dia foi um dos mais importantes na minha formação como pessoa e como profissional.

Bill Soares

Na imagem, auto-retrato do Bill.