Sem compromisso com a linearidade, rumamos da Vila Madalena, São Paulo (ver posts anteriores), para a Avenida Conde da Boa Vista, Recife. É lá que, em 1971 – na calçada – conheço Lula Wanderley. Ambos temos os cabelos longos – algo raro na Recife daquela época – e isso facilita a aproximação. Lula me fala do diretor de teatro maranhense Tácito Borralho, que veio à cidade montar uma peça chamada Armação e está à procura de certo estudante de Arquitetura autor de composições estranhas: quer convidá-lo para fazer a trilha musical.
A pessoa em questão, descubro em seguida, sou eu mesmo. E assim, meio casualmente, começo a fazer música para um circuito um pouco maior que os amigos e colegas de faculdade. Em uma semana, componho 12 canções para a peça. E monto uma banda para interpretá-las ao vivo no Teatro do Parque, durantes as cenas. Isso muda o curso da minha vida e determina o surgimento de um grupo muito atuante no cenário musical de Recife em 1972: o Nuvem 33.
A capital pernambucana vivia, no que dizia respeito à música, um momento de transição. Enquanto nomes como Alceu Valença e Geraldo Azevedo tinham ido tentar a sorte no Centro-Sul, a cidade repercutia a seu modo o Tropicalismo. Havia um certo clima experimentalista no ar, traduzido por nomes como Aristides Guimarães e o Laboratório de Sons Estranhos, Marco Polo e o Tamarineira Village, Ana Lúcia Leão, Flaviola, entre outros. Era um período bem estimulante.
O nome Nuvem 33 foi tirado do título de uma novela de ficção científica que escrevi na época. O grupo não era limitado à música, pois incluía artistas plásticos e atores em suas performances. Na primeira delas – Retreta Eletrônica, no Teatro do Parque – desenhistas faziam comentários ao vivo, em linguagem de histórias em quadrinhos, do que se passava no palco. O resultado era projetado em um telão. Por exemplo, enquanto eu fazia voz de falsete durante uma canção, o marinheiro Popeye dizia nos quadrinhos que minha voz era igual à de Olívia Palito. Coisas assim.
O Nuvem 33 reunia personagens como Otávio “Bzzz” Machado (que inventou uma espécie de teremim e me apresentou ao som de Frank Zappa), o guitarrista Carneirinho, o baixista João de Deus, o baterista Israel (que depois trabalharia com Alceu Valença), e as participações dos artistas plásticos Lula Wanderley, Humberto Avellar (que me apresentou autores de ficção científica como Isaac Asimov, Ray Bradbury e Kurt Vonnegut Jr.) e Rodolfo Mesquita. Claro, havia muito mais gente. O primeiro show, aberto a todos os músicos da cidade, não tinha hora para terminar. Nele o guitarrista Robertinho do Recife, recém-chegado dos Estados Unidos, fez uma participação especial. Nele quebrei minha régua "T" em cena e renunciei à Faculdade de Arquitetura. A partir daí decidi ir a São Paulo estudar música com Tom Zé.
Tiago Araripe
Na imagem, cartaz criado por Lula Wanderley para um dos shows do Nuvem 33 em Recife. Há muitos anos morando no Rio de Janeiro, Lula é também psiquiatra, tendo trabalhado com Nise da Silveira e colaborado com o cineasta Leon Hirszman no documentário Imagens do Inconsciente. Como artista plástico, manteve sólida parceria com Lygia Clark, de cuja obra foi curador.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Nuvem 33 no céu de Recife
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