quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Bem-vindo, 2010

Jukebox do Bar Central (Recife)












Mais um ciclo está prestes a se iniciar.

Momento de agradecer aos frequentadores deste Blog pelas 12.300 visitas e as 20.067 páginas vistas. Números modestos, mas que para mim têm especial significado. Afinal, representam a boa companhia de amigos, companheiros de jornada e pessoas interessadas em um trabalho que vem resistindo nas entrelinhas da mídia e à margem das grandes empresas fonográficas.

Novas perspectivas se abrem com 2010.

A primeira delas é a participação no CD "Jacinto Silva. No coração da gente", homenagem da agência Link Comunicação e da Candeeiro Records ao grande forrozeiro nordestino que se projetou a partir de Pernambuco.

No CD, 16 músicas selecionadas do repertório de Jacinto ganham releitura de diversos artistas. Alguns deles já tinham incluído composições do mestre do coco sincopado em seus repertórios. Outros cantam Jacinto pela primeira vez. O resultado é um painel musical rico em diversidade de arranjos e interpretações, nas vozes de Aurinha do Coco, Caju e Castanha, Elba Ramalho, Flávia Wenceslau, Flor de Cactus, Isaar França, Josildo Sá, Maciel Melo, Margareth Menezes, Petrúcio Amorim, Silvério Pessoa, Spok, Targino Gondim, Tiago Araripe, Tom Zé e Xangai.

O lançamento está previsto para o final de janeiro. Darei mais notícias oportunamente, além de mostrar a capa do projeto gráfico de Marcelo Barreto.

A todos os colaboradores, parceiros e visitantes deste Blog, um ano novo de conquistas e transformações. Saúde e paz.

Tiago Araripe

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Cabelos de Sansão, um disco "atemporal e inovador".


Artigos
Lira Paulistana, 30 Anos
Daniel Brazil

Novembro de 79 é o marco histórico de fundação do Lira Paulistana. Beleléu, o disco de estréia de Itamar Assumpção, marcou o início do selo (porque já era um conhecido teatro, espaço cultural, palco de shows e agitos). O porão da Praça Benedito Calixto marcou uma espécie de Renascença da música paulista, abrindo espaço para vários estilos.

Final de ditadura, fim dos movimentos organizados em torno de uma militância estética. O leque se abria, em várias direções. Tinha a música experimental de Arrigo, que nunca tocou no Lira, mas cujo baixista era Itamar. As cantoras Ná Ozetti, Cida Moreira, Vânia Bastos, Eliete Negreiros, Suzana Sales, Neuza Pinheiro, Tetê Espíndola e Virginia Rosa passaram por lá, colorindo ainda mais a paleta de estilos. Tiago Araripe (Cabelos de Sansão) fazia um pós-tropicalismo com uma nova poética, que viria influenciar gente como Zeca Baleiro. Tanto é que o maranhense fez questão de relançar o “Cabelos” em CD, pelo seu Saravá Discos (2009). Aliás, um disco que merece ser (re)descoberto e (re)ouvido, atemporal e inovador.

Tinha o humor escrachado do Língua de Trapo. Tinha o Premê, com um lado musical mais desenvolvido. O grupo Rumo, com um lado mais intelectual de pesquisa musical, seja estudando os antigos, seja construindo uma nova forma de canto falado. O mentor Luiz Tatit, a musa Ná Ozetti, e os talentosos músicos que iriam criar posteriormente os mais consistentes trabalhos na área da música infantil, como Paulo Tatit (Palavra Cantada) e Hélio Ziskind (Meu Pé, Meu Querido Pé).

E teve a viola de Passoca, os sons valeparaibanos do Grupo Paranga, o rock dos primeiros integrantes dos Titãs e UItraje a Rigor. Até o Ira! passou por aquele palco, assim como os Inocentes, pioneiros punk de Sampa. E tinha o instrumental do Pau Brasil, do Nelson Ayres, o piano de Amilson Godoy, o trombonista Bocato, o percussionista Zé Eduardo Nazário, o multi Skowa, os latinos Raíces de America, as cordas do Duofel.

Um dos fundadores do Lira, Riba de Castro, está finalizando um documentário sobre este redemoinho musical que marcou a música dos anos 80 e influencia até hoje um monte de gente pelo Brasil. São dezenas de entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, críticos e os ex-sócios da empreitada. Não sei como Riba dará conta de resumir tudo, mas certamente vem aí um dos mais importantes documentos da moderna música popular brasileira. Quem viver, verá. Quem viveu, reverá!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

30 anos do Lira Paulistana

Foto: Andarilha









À frente, Riba de Castro, um dos ex-sócios
do Lira; ao fundo, o Língua de Trapo.

O blog Perfume de pequi fez o registro de uma das programações comemorativas do aniversário de 30 anos do Lira Paulistana, na histórica praça Benedito Calixto, em São Paulo.

Diz o depoimento de Andarilha, que assina o blog:

"O revival que a moçada do antigo Lira Paulistana tá fazendo na cidade tá bem interessante. Hoje teve show na praça Benedito Calixto com Isca de Polícia, Premeditando o Breque, Lingua de Trapo, Passoca e outros. Na platéia, muita gente de cabelo branco (afinal, no tempo do Lira, essa moçada já estava perto dos 30), Muito careca, muitos mais gordinhos do que nos lembrávamos etc. É o tempo cobrando o dízimo."

Para ver o restante do texto e mais imagens, clique aqui.

domingo, 20 de setembro de 2009

Starting over

Foto: Marcus Soares

Estúdio Muzak, Recife, setembro de 2009.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Woodstock revisitado

Na foto, publicada no JC, Otávio "Bzzz" Machado e Fernando "Carneirinho" durante performance do Nuvem 33 na I Feira Experimental de Música.

O jornalista José Teles escreveu, para as edições de 14, 15 e 16 de agosto do Jornal do Commercio (Recife), extensa reportagem sobre os 40 anos do festival de Woodstock. No terceiro dia da matéria, é destacada a repercussão do evento na cena musical do Recife.

Entrevistado, lembrei do quanto me impressionou a versão idealizada do festival que nos chegou por meio do documentário exibido no Cine São Luís. Uma das consequências locais mais diretas foi a realização do nosso próprio woodstock possível: a I (e única) Feira Experimental de Música, em Nova Jerusalém, região Agreste de Pernambuco, tendo como palco o palácio de Pôncio Pilatos.

Segue o texto publicado no domingo. (T.A.)

» MEMÓRIA
Ecos de Woodstock chegam ao Recife
Publicado em 16.08.2009

Última reportagem sobre Woodstock mostra como o festival foi compartilhado pelos recifenses no documentário de Michael Wadleigh e influenciou uma geração

José Teles

teles@jc.com.br

A influência do festival de Woodstock sobre a juventude brasileira, sobretudo os jovens que viviam nas grandes cidades foi avassaladora. Em 1969, o País acabara de ingressar no período mais pesado da ditadura e para a juventude só havia duas opções, o desbunde ou o engajamento. Era cair na estrada, ou cair na clandestinidade. A turma do desbunde se viu refletida no Woodstock visto no documentário de Michael Wadleigh, que chegou às telas brasileiras em 1970 (é até paradoxal que tenha sido liberado pela censura, com tantas cenas de nu e drogas). “A gente era o genérico do hippie no Brasil. Foi um momento feliz, um universo de paz, era o ideal, num tempo em que a gente vivia a realidade dos anos de chumbo. A gente já vinha ouvindo aquela música, bebendo daquela fonte. Para nós era como prenúncio da mudança de tudo”, analisa o músico Lula Cortês.




Se Woodstock encantou a juventude, para os músicos foi uma influência marcante. Adolescente na época, mas já considerado o melhor guitarrista da cidade, Robertinho do Recife, que tocava nos Bambinos, há anos morando no Rio, lembra, em conversa por telefone, que viu o documentário várias vezes: “Para mim foi um aula de tudo que a gente estava vivendo. Ver aqueles músicos todos no mesmo lugar. Jimi Hendrix tocando o hino americano, que não havia ainda gravado foi fantástico. O filme fez as pessoas modificarem a maneira de vestir. Começaram a surgir festivais hippies em algumas praias de Pernambuco, lembro de um em que toquei, num lugar chamado, acho, Águas Finas. A gente já era meio hippie, eu, Lula Cortês, a turma do Ave Sangria, o filme nos fez ver que todos nós estávamos na mesma onda. Para mim Woodstock foi muito inspirador”.

O cartunista e escritor Lailson de Holanda recorda que tomou conhecimento do festival pelo semanário O Pasquim, na coluna Underground, assinada por Luís Carlos Maciel: “Foi a primeira vez que ouvi falar em Jimi Hendrix, Carlos Santana e Janis Joplin. Como naquela época eu ainda era bem garoto – 16 anos – não conhecia tanta gente que se interessasse pelo assunto. Tocava ainda em banda de adolescentes com Paulo Rafael (a lendária The Jopens!) e, para o público em geral, Beatles e Rolling Stones já eram vanguarda demais! Mas aí comprei o Have you been experienced, de Hendrix, e a vizinhança pensou que eu tinha ficado doido, diziam que era um barulho ensurdecedor. E olha que minha radiola Philips nem era estéreo!”. Mas até aí era só a descoberta de novas possibilidades sonoras. Ver o filme foi, como se dizia então, outro “barato”: “A primeira vez que vi eu estava em Nova Iorque e depois vi aqui, no Cine Veneza. Aí já estávamos em 1972, maluco surgia mais que cogumelo – literalmente – depois da chuva. O cinema virou uma comunidade hippie, tinha gente sentada em todo canto, no gargarejo da tela, na alcatifa que fica da tela para a primeira fila. Acho que todo mundo saiu do cinema com a sensação de que ser livre era possível, mesmo estando sob uma ditadura”.

WOODSTOCK DO AGRESTE

Influenciado por Woodstock, Lailson participou da produção da Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém que, segundo ele, foi o nosso Woodstock local. “O logotipo que criei (um braço de violão com um punho fechado em cima) era a minha idéia variante do festival original. Ao invés de “Paz e amor”, uma proposta mais de resistência. Roberto Peixe ( ex-secretário de cultura da prefeitura) foi quem fez a versão final, pois meu desenho original era uma ilustração, muito cheia de detalhes. Ele sintetizou muito bem e ficou ótimo”. O festival de Nova Jerusalém teve a participação das principais bandas e cantores da cidade, entre outros, Lula Cortês, o Nuvem 33, o Tamarineira Village (mais tarde Ave Sangria), sedimentando uma cena de música alternativa no Recife e Olinda.

Marco Polo, compositor e principal vocalista da Ave Sangria, na época de Woodstock, já caíra na estrada, vendia artesanato na famosa feira hippie da praça General Osório, em Ipanema, no Rio. Ele assistiu ao filme com outros hippies: “Eu fiquei particularmente fascinado com a performance chocante de Joe Cocker, cantando A little help from my friends, de Lennon e McCartney, num arranjo arrepiante de Jimmy Page (futuro Led Zeppelin) à frente das guitarras. Saímos do cinema em estado de graça e fomos direto para um bar, beber, conversar, comentar, comemorar. Era o auge do paz e amor, com sexo livre (leia-se todo mundo transando com todo mundo), uso generalizado de drogas leves (leia-se maconha) e muita música (leia-se rock e derivados). Eu já compunha na época, e o filme foi mais um incentivo para continuar compondo, cantando e sonhando em formar uma banda, o que terminou acontecendo quando voltei para o Recife e formei com o pessoal de Casa Amarela a Tamarineira Village, depois Ave Sangria.

Hoje trabalhando em publicidade em Fortaleza, o músico Tiago Araripe, da Nuvem 33, conta como foi afetado pelo documentário sobre o festival: “De um lado existia aquele sonho coletivo da geração hippie, de que a melhor resposta ao mundo poderia ser simplesmente paz e amor. De outro, o anseio juvenil de estar, de alguma forma, participando do movimento. Eu já dava os primeiros passos na música, mas quando assisti ao documentário sobre o Woodstock no Cine São Luís do Recife foi um impacto. A decisão de mergulhar mesmo na música havia sido tomada a partir de encenação da peça Hair no Teatro do Parque. Um dos atores, que como outros que vieram a Pernambuco havia participado da montagem brasileira original, era José Luiz Penna. Penna, hoje presidente nacional do Partido Verde, me convidou a ir a São Paulo onde depois viríamos a fundar, com Paulo Costa, Xico Carlos, Beto Carrera e Bill Soares, o grupo musical Papa Poluição.

Quando assistiu a Woodstock, Araripe já participava do Nuvem 33, um grupo formado por muitos integrantes, com influências de Jimi Hendrix e, principalmente, Frank Zappa. “Quando o filme chegou à cidade nos deixou animadíssimos. Fernando ‘Carneirinho’, o guitarrista do grupo, praticamente internou-se no cine São Luís e assistia uma sessão seguida da outra. Ficava horas no cinema. Eu vi o filme umas três vezes. E ouvia muito o álbum do festival. O filme supriu uma lacuna importante, numa época em que não existia internet e quando quase não víamos televisão. Havia uma visão muito romântica e idealizada das drogas, por exemplo. Muita gente embarcou nessa. Não existia o conhecimento de causa que há hoje quanto a esse aspecto. Conheço muita gente talentosa que pagou um preço muito alto por isso. Alguns, com a própria vida. Por outro lado, Woodstock funcionou como um estimulante painel da música pop, que nos marcou muito. Em mim, por exemplo, acentuou o gosto pela diversidade musical. No País, a repercussão daqueles três dias de paz e amor sacudiu o mercado brasileiro e funcionou como motivação para os festivais de música que viriam em seguida, dando projeção tanto à MPB quanto ao rock e impulsionando a carreira de tantos artistas”, diz Araripe.

Tiago Araripe e Marco Polo, 37 anos depois

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Tailândia Montenegro lança CD "Forró da Minha Terra"

A cantora Tailândia Montenegro, que anima a cena cultural cearense com um trabalho inspirado na melhor tradição deixada por Marinês, está lançando seu primeiro CD: Forró da Minha Terra.

No repertório, uma feliz regravação de Telha de vidro, composição de minha autoria interpretada originalmente por Amelinha no seu LP Romance da Lua Lua (1983).

As faixas do lançamento de Tailândia:

  1. Dois em um (Arnaldo Farias)
  2. Os dois lados da paixão (Dorgival Dantas)
  3. Utopia sertaneja (Flávio Leandro/Miguel Silva)
  4. Mar de rosas (Dida)
  5. O amor e a razão (Chico Pessoa/Zé do Norte)
  6. Namoro do sabiá com a mata (Dílson Pinheiro)
  7. Na pisada do forró (César do Acordeon)
  8. Chuva (Flávio Leandro)
  9. A semente (Majó)
  10. Capim verdão (Daudeth Bandeira)
  11. Travessuras (Flávio Leandro)
  12. Pra minha terra (Álcio Barroso)
  13. Telha de vidro (Tiago Araripe)
  14. Água da vida (Antonio Brasileiro)

Vale a audição.

Tiago Araripe

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Mais uma garimpada na rede

De uma entrevista de Chico César ao jornal O Povo, em 10 de novembro de 2006:

"Tem um disco lindo chamado Cabelos de Sansão, do Tiago Araripe, que já ouvi muito com Zeca Baleiro. Pena que não tenho CD disso, nem sei se saiu, e não posso mais ouvir. Esse disco é uma pedrada, antecipou muita coisa que nós e outros nordestinos faríamos depois. Grande Tiago..."

Graças a Zeca Baleiro, Rossana Decelso e à Saravá Discos, Chico César pôde ter o CD e voltar a ouvir Cabelos de Sansão... Muita gente também.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Catada na rede

Encontrei esta nota por acaso, na internet. Mais um ponto de vista (ou de audição) do disco Cabelos de Sansão.

E mais uma reflexão a respeito do tempo e da transformação...

Quando leio coisas assim/ é como se me visse/ além de mim.

Tiago Araripe

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Montagem brasileira de Hair faz 40 anos



Vídeo: Ingrid Morais

Hair e Cabelos de Sansão: tudo a ver. Há quatro décadas era lançada a montagem brasileira do musical que marcou época para toda uma geração.

Algum tempo depois eu, estudante de arquitetura, morava provisoriamente no Hotel do Parque, Recife, quando a novidade chegou. E, não por acaso, teve como palco o teatro vizinho: o Teatro do Parque, na rua do Hospício. O mesmo da minha futura estreia como compositor e intérprete das canções da peça Armação e do lançamento do grupo performático e multicultural Nuvem 33.

Eu podia ouvir toda a peça do meu quarto de hotel, mas graças ao amigo e ator José Luiz Penna, tinha livre acesso a todos os espetáculos. Após a peça, íamos beber cerveja e conversar no entorno do teatro. Não raro, iam junto outros integrantes do musical - alguns deles (como Neusa Borges, Ricardo Petraglia e o próprio Penna) atores da montagem original da peça.

Numa dessas conversas, Penna, já sabendo que eu fazia as primeiras incursões pela música, me incentivou a ir a São Paulo. Foi o que fiz em seguida, ficando um mês hospedado na casa de Zé Luiz e Rosa. Depois, com mais Paulo Costa e Xico Carlos, formamos o embrião do que viria a ser o grupo "transnordestino" Papa Poluição, consolidado com as adesões do pernambucano Bill Soares e do paulistano Beto Carrera.

Numa data tão marcante, eu não poderia deixar sem registro a lembrança dessa época. A época que eu tinha cabelos...

Tiago Araripe

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Um ano no Recife

Há praticamente um ano no Recife, comemoro a data com a homenagem a um músico que não apenas projetou Pernambuco para além das fronteiras do Brasil: deu significativo impulso à valorização cultural do manguezal no Estado, um dos habitats mais ricos do planeta.

Claro, como você já percebeu pelo banner da foto, estou falando de Chico Science.

As mostras do reconhecimento público ao trabalho dele são visíveis. Há, por exemplo, uma avenida em Olinda e um túnel no Recife que têm seu nome.

Visitando o Espaço Ciência, em Olinda, me deparei com o ambiente da foto, onde está exposto um automóvel que pertenceu a Chico Science. Isso próximo a uma área de mangue que integra o parque.


No vídeo abaixo, ele fala sobre música e mangue, mostrando assim a gênese do Manguebeat que, a partir do trabalho de Chico Science & Nação Zumbi, mostrou ao Brasil e ao mundo novas possibilidades musicais. (Tiago Araripe)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Guia da Vila entrevista Riba de Castro sobre 30 anos do Lira Paulistana

.Entrevista.
Lira ganha livro e filme


O teatro Lira Paulistana, que funcionou entre os anos de 1979 e 1985 na Rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto, teve uma importância muito grande para a região da Vila Madalena. O Lira também lançou muita gente, influenciou no comportamento e até na redemocratização do país. Foram breves seis anos de vida cultural ativa que marcaram a cidade. No próximo mês de outubro está prevista uma comemoração aos 30 anos de fundação do Lira, como era carinhosamente chamado. Um dos sócios, o cineasta Riba de Castro, cearense de Quixeramobim, e que reside na Espanha há um bom tempo, reuniu todo o material que juntou daquele tempo, escreveu um livro e finalizou a captação de imagens do documentário que será lançado na ocasião. Nesta conversa, Riba conta como o Lira surgiu, quem passou por lá e o que vem por aí.

Quando você chegou à Vila Madalena?
Cheguei aqui em 1974. E aos 20 anos cheguei em São Paulo. A Vila Madalena foi a minha primeira morada aqui. Morei na Mateus Grou.

Qual é a sua formação? E como foi a sua vida por aqui?
Sou autodidata em tudo. Comecei muito cedo a fazer as coisas que eu queria fazer. Aos 15 já estava expondo. Aos 17, desenhava. Fui durante muito tempo desenhista gráfico. Vim para São Paulo traçar meu próprio caminho. Fiz amizades com o pessoal das artes gráficas e logo depois já fazia produção, shows, cartazes e cenários de eventos. Foi nessa época que conheci gente como Tiago Araripe, Papa-Poluição, José Penna, Walter Franco, Odair Cabeça-de-Poeta, Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Itamar Assumpção, Paçoca e outros. Aos 20 anos eu já estava totalmente envolvido com o cenário cultural da cidade.

Como era a Vila Madalena?
Um lugar de “estrangeiros”. Um pessoal criativo. Aqui sempre teve um clima interessante. Era um lugar de estudantes e professores da USP, músicos e cineastas e produtoras.

E como surgiu o Lira Paulistana?
Muitos artistas moravam na Vila e o público também era do bairro. No final dos anos 1970, a ditadura estava forte. Os teatros convencionais não recebiam os novos artistas. O Lira foi inaugurado em 25 de outubro de 1979 com a peça de teatro “Fogo Paulista”. Era um musical relacionado com o programa Pró-Álcool. A ideia da peça era uma crítica à crise de álcool. Tinha álcool para os carros, faltava álcool para se beber. Foi uma criação coletiva e dirigido por Mário Mazeti. Depois veio “Tambores da Noite”, de Bernold Brecht.

Quem teve a ideia de criar o Lira?
No começo não estávamos todos juntos. Nos primeiros seis meses, quem tocou foi o Wilson e o Valdir Galeano. Eles já trabalhavam com teatro em São Paulo. Já tinham a ideia de abrir um espaço. Aí acharam o porão da praça Benedito Calixto e surgiu o Lira Paulistana. Seis meses depois o Valdir se apaixonou e foi embora e o Wilson ficou só. Nesse momento entraram o Chico e o Fernando. Depois eu cheguei.

Como era a programação?
Tinha teatro e depois surgiu a música. O Itamar Assumpção e a Banda Isca de Polícia é que inauguraram essa fase no Lira. E com ele, lançamos nosso primeiro long play com o selo do Lira. Tinha cinema também, que era o que me trouxe. Eu participava de um projeto na zona leste da cidade. Na época, o cineasta João Batista de Andrade tinha lançado o filme “O homem que virou suco”. Foi exibido no circuito comercial em dezembro e pouca gente viu. Dois meses depois, o filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim (Alemanha) e eu tinha uma cópia desse filme dos tempos do centro cultural lá da zona leste. Nessa época eu fazia comunicação visual no Curso Anglo Vestibulares. Um amigo meu, o cineasta Ivo Branco, me visitou um dia e contei para ele que tinha uma cópia do “Homem...”. Ele sugeriu que fôssemos ao Lira que tinha uma janela na programação. Eles toparam fazer uma semana com o filme e foi muito legal. Foi a primeira vez no Lira que o público fez fila que dobrava a Rua Lisboa. Até então o Lira tinha teatro, música no meio da semana e filmes. A partir daí, ficamos mais próximos.

Quem se apresentou no Lira?
O Paçoca, Gereba, Tetê Espíndola e Almir Sater começaram a fazer
shows no Lira. Era uma mescla de estilos musicais, inclusive instrumentais.

O Jornal do Lira, como surgiu?
O Fernando Alexandre era editor da Gazeta de Pinheiros e sempre divulgava a nossa programação. Ele tinha um projeto de fazer um jornal cultural na cidade. Nesse momento, começamos a conversar sobre fazer um jornal cultural. Mas antes era preciso de uma infraestrutura mínima. Alugamos um sobrado na praça Benedito Calixto. Eu e o Fernando saímos dos nossos trabalhos e montamos uma gráfica para atender ao teatro e ao jornal. Cartazes, filipetas e outros trabalhos que foram surgindo. Aí o Lira passou a ser um centro de artes e editora. Continuei fazendo cenários para o Lira. Depois de quase um ano, o jornal saiu com 30 mil exemplares, com venda em banca.

E quem escrevia no Jornal do Lira?
Não tínhamos dinheiro. Formamos uma cooperativa de jornalistas. Muita gente trabalhou lá: Paulo Caruso, Apoenam Rodrigues, Gabriel Prioli (hoje diretor da TV Cultura) e outros que toparam participar. Tinha de tudo. Amigos participavam do jornal.

Qual era a linha do jornal?
Mais variedades. Foi o primeiro jornal na cidade a dar toda a programação cultural. Desde a programação de cineclubes ou dicas de onde ir para tomar uma canjinha na zona norte. Onde comprar flores. Tinha comida, diversão e arte. Cobria o circuito normal e o alternativo. E com um detalhe, com dicas de qual ônibus você devia usar e coisas assim. Tinha livrarias, bares, gafieiras e outros endereços. Fomos os primeiros a fazer isso. Seis meses depois do fechamento, surgiu a Veja São Paulo. Era semanal e formato tablóide. Foram 14 números. Fechou por falta de dinheiro.

Como surgiram os shows na Praça Benedito Calixto?
Fomos vender anúncio para a agência de publicidade Thompson. Eles não queriam anunciar no jornal mas topavam patrocinar uma série de shows com os artistas do Lira. Estávamos no vermelho. Juntamos a redação e viramos produtores. O primeiro show ao ar livre que aconteceu na Praça Benedito Calixto aconteceu no dia 25 de janeiro de 1981, no aniversário de São Paulo. Quem se apresentou: Jorge Mautner, Premeditando o Breque, Grupo Rumo e Tetê Espíndola. O jornal deixou muito prestigio ao Lira. Tinha 15 mil pessoas na praça. Depois fizemos outros shows pela cidade e fora daqui também.

Os projetos como o Virada Paulista e o Boca no Trombone, como surgiram?
O Virada Paulista foi um projeto que tinha 42 grupos de música e mais 500 músicos envolvidos. Muita gente que nunca tinha se apresentado. Língua de Trapo, Ultraje a Rigor, Grupo D’Alma, vários grupos surgiram. No ano seguinte criamos o Boca no Trombone com outros grupos, entre eles Os Titãs, Vânia Bastos e outros. O pessoal nos procurava. Nós alugávamos o teatro e também produzíamos alguns espetáculos.

Por que o Lira terminou?
Era um casamento de cinco. E como toda relação, se desgatou. O Boca no Trombone foi “exportado” para Curitiba. O Lira ficou pequeno para os artistas grandes e não tínhamos capacidade para receber um público desse tamanho. E nessa ocasião surgiu o Sesc Pompeia, que tinha um espaço maior para comportar esses shows.

Qual o grande mérito que o Lira deixou?
O Lira sempre estava na mídia. Tinha música, teatro, cinema, exposição. Todo dia tinha uma atividade. O público selecionava o trabalho que a gente programava. O Kid Vinil tocou a primeira vez lá.

Até que ponto a situação política do Brasil influenciou o Lira?
Um dos motivos do Lira ter dado certo era que o país atravessava um período de ostracismo por conta da ditadura. O pessoal que surgiu no Lira já existiam. O Lira foi o veículo que deu o espaço. Eram muitas pessoas. O Lira deixou um espírito boêmio e artístico para a cidade.

Fale sobre o documentário do Lira? Como surgiu?
Em setembro de 2008 resolvi escrever um livro sobre o Lira. A morte do Itamar Assumpção deu início ao projeto. Lembrei de muitas coisas. Nesses anos que estou na Espanha, sempre que eu vinha para cá, um estudante me achava e perguntava sobre o Lira. Eu tinha experiência em cinema e pensei “essa história precisa ser contada”. Eu tinha muito material da época, cartazes, jornais. Com o livro pronto, resolvi fazer o documentário. Conversando com um amigo, ele topou produzir o filme. Saí da TV e estou só trabalhando no documentário. E quero fazer outras coisas, mas ainda é segredo.

Será em película ou digital?
Filmei em HD. Será digital. Entrevistei 65 pessoas. Os fundadores, inclusive eu e os artistas que passaram por lá.

A receptividade foi boa?
O pessoal falou com alegria, com satisfação, sem saudosismo. Naquele momento, o Lira foi muito importante para o país. Surgiram outros partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores e o Partido Verde.

Vai ser exibido em circuito cultural?
Acho que vai ser exibido em circuito comercial e cultural.

Como será o lançamento?
Quero fazer um grande lançamento. Ainda não definimos o local. Gostaria de fazer um show na praça Benedito Calixto. Ideias não faltam. Ainda estamos buscando recursos.

www.piratacreative.com

(Guia da Vila, maio de 2009)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O passado



O passado

Passo a passo
Suavemente
Como que descalço
Se fez presente.

Eu o recebi
Com um abraço.


Tiago Araripe

segunda-feira, 27 de abril de 2009

No Guia da Vila Madalena





Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe


Tiago Araripe, que viveu durante muitos na Vila Madalena, se apresentou no dia 10 de março no pequeno palco da Fnac Pinheiros para o lançamento em CD do seu LP Cabelos de Sansão, lançado em 1982. Quando ele ainda morava aqui no bairro, se apresentava regularmente no Teatro Lira Paulistana, local que fez história no cenário musical dos anos 1980 e neste ano completaria 30 anos. Quem se empenhou para tornar realidade o CD foi o cantor Zeca Baleiro que resolveu relançar Cabelos de Sansão pela sua gravadora, a Saravá Discos. Ele fez a apresentação do CD: “Quando escutei o LP do Tiago Araripe, percebi uma sonoridade incomum, de cara prendeu minha atenção, assim como a voz aveludada do cantor”. Zeca Baleiro também participou do show de Tiago Araripe na FNAC.
Os longos cabelos daqueles anos 1980 ainda resistem na capa e Tiago Araripe, hoje mais calvo, mora e trabalha com publicidade em Recife (PE). O show foi uma oportunidade para os amigos e companheiros dos tempos do Teatro Lira Paulistana se encontrarem. Além do show, o lançamento do CD foi uma grande oportunidade para os amigos se reencontrarem depois de algum tempo. José Luiz de França Penna, colaborador do GUIA DA VILA MADALENA, hoje vereador de São Paulo e também parceiro de Tiago Araripe em ‘A Pororoca Vai Pegar Fogo’, o cineasta Hermano Penna entre outros, estiveram presentes no show que teve ‘Asa Linda’ (Little Wing, letra e música original de Jimi Hendrix na versão do poeta Augusto dos Anjos). “É muito importante voltar à São Paulo para lançar este meu trabalho”, afirmou Tiago Araripe.

terça-feira, 31 de março de 2009

Resumo da ópera

Vídeo inédito e novas fotos de pockets shows realizados por Tiago Araripe e convidados para o lançamento do CD Cabelos de Sansão (Saravá Discos).

FORTALEZA

(Vídeo:
Cena 7 Produções Audiovisuais)



RECIFE



CRATO

(Foto: Alemberg Quindins)




SÃO PAULO

(Fotos: Sergio Polignano)



Felipe Vagner, Felipe Avila, Tiago Araripe, Cid Campos, Pedro Cunha.



Tiago e Zeca Baleiro.

sábado, 21 de março de 2009

Papa Poluição na "poeira Zine"

Com o sugestivo conceito de "O melhor da música do melhor dos tempos", a poeira Zine é uma revista paulistana especializada na música pop dos anos 70. Na sua mais recente edição, de fevereiro/março, o editor Bento Araújo abre generoso espaço na seção Arquivo Verde Amarelo para o Papa Poluição. Em duas páginas onde há inclusive citação a este Blog, o jornalista e músico Ayrton Mugnaini Jr. faz um oportuno reconhecimento à contribuição do Papa para a fusão do rock com a música nordestina.

Vale a leitura.




O ROCK NORDESTINO BIODEGRADÁVEL DO PAPA POLUIÇÃO

De todos os artistas que fundiam rock à música nordestina nos anos 1970, o grupo Papa Poluição foi um dos que menos gravaram ou fizeram sucesso – mas se revelou em longo prazo um dos mais influentes, inclusive hoje, trinta anos após sua separação. Esta reportagem resultou de consulta à famosa Fundação Mugnaini e de entrevistas com Tiago Araripe e Bill Soares, dois integrantes do grupo – além dos textos no imperdível blog de Tiago: www.cabelosdesansao.blogspot.com

Ainda vou pleitear um espaço especial na pZ para falar sobre a grande influência da música nordestina no mundo, inclusive sobre o rock, provando mais uma vez minha famosa “teoria do pingue-pongue”: mal o rock surgiu oficialmente em meados dos anos 1950, foi sua vez de influenciar a música nordestina, a partir do “Baião-Rock” gravado por Jair Alves em 1957, passando pela Tropicália e os Novos Baianos e explodindo de vez no começo dos anos 1970 com uma boa leva de artistas arretados, como Lula Côrtes, Belchior, Fagner, Ednardo, Ave Sangria e talvez o mais bem-humorado de todos, o Papa Poluição.

Excelente amostra da presença nordestina no Sul, o Papa Poluição formou-se em São Paulo com os cearenses Tiago Araripe (vocal, violão, composições) e Xico Carlos (bateria), o potiguar José Luiz Penna (vocais, guitarra, composições), o baiano Paulinho Costa (vocais, guitarra e composições; não confundir com o percussionista Paulinho da Costa – se bem que hoje em dia nosso amigo do PP atende por Paulo Costa), o pernambucano Bill Soares (contrabaixo e direção visual) e o paulistano Beto Carrera (guitarra) – todos com queda não só para a música mas também teatro e egressos de outros grupos nordestinos como os pernambucanos A Porta e Nuvem 33, o baiano The Blue Star e os cearenses The Top’s e Os Águias de Barbalha.

Foi em São Paulo que os Papas começaram a aparecer nos grandes meios de comunicação em nível nacional. Em 1970 Penna atuou na primeira montagem do musical Hair! (inclusive no LP da trilha) e participou de um festival da TV Tupi com sua composição “John”. Tiago surgiu para o grande público em 1973 gravando um compacto pela EMI fundindo pop, dixieland (com participação não creditada da Traditional Jazz Band) e letras nonsense, “Os Três Monges” e “Sodoma E Gomorra”; no ano seguinte participou do Festival Abertura da Rede Globo de Televisão com “Drácula”, parceria com o poeta Décio Pignatari e cantada num dos LPs (Abertura – Estas Também Participaram) dedicados ao festival por outro futuro Papa, Paulinho Costa – que participou também com sua composição “Muzenza”, tendo Xico Carlos à bateria. (Ah, sim: Tiago não cantou neste LP, lançado pela RCA, por estar ainda vinculado à EMI.) Paulinho tocou em Paisagem, o LP folk-rock do já veterano mais então ainda um tanto obscuro MPBzeiro Renato Teixeira. E Beto tocou na montagem paulistana do musical Hoje É Dia De Rock da equipe Teatro Ipanema.

Mais que excelente resultado da presença nordestina em Sampa, o PP foi um dos precursores da chamada Vanguarda Paulista dos anos 1980 e um dos responsáveis pela reputação do bairro paulistano da Vila Madalena como grande baluarte da música independente e descompromissada. “Quando eu cheguei [a São Paulo], em 1973, morei no Butantã, mas foi muito pouco tempo”, lembrou Tiago ao Diário do Nordeste. “Depois fiquei na casa do José Luís Penna, próxima à Vila Madalena, na rua Patápio Silva – por sinal, nome de um flautista [grande pioneiro da MPB no começo do século 20]. Era no Sumarezinho, perto da Vila Madalena, onde depois eu aluguei uma casa, que dava pra ir a pé pra casa do Zé Luiz Penna, onde a gente ensaiava no quarto de casal, na época do Papa Poluição. A mulher dele com uma santa paciência... E o Papa contribuiu muito pra essa fama do bairro. Lembro de revistas nacionais, como a Quatro Rodas, que fizeram matérias sobre o [Teatro] Lira Paulistana, colocando como pioneiro desse movimento dos artistas irem pro bairro.

A gente ativou tudo isso. Chegamos a tocar na calçada, o que de certa forma originou aquela Feira da Vila [série de shows na Praça Benedito Calixto, em frente ao Lira]. O José Luís se tornou presidente do Centro Cultural da Vila Madalena; enfim, a coisa começou a ganhar projeção. O Hermano Penna, que dirigiu o [filme] Sargento Getúlio, filme de que nós fizemos a trilha, também tinha um escritório na Vila Madalena, com outros cineastas. Enfim, tinha vários pólos, de várias linguagens, convivendo ali.”

Outra composição de Tiago e Pignatari é “Teu Coração Bate, O Meu Apanha”, gravada por Tiago em dupla com Tom Zé na Continental em 1974 (e com participação de um colega da Continental, o tecladista da banda Moto Perpétuo – ele mesmo, Guilherme Arantes). Foi neste mesmo ano que Tiago e Penna se encontraram e resolveram fundar o grupo Papa Poluição – e em 1976 chegou a vez do Papa se fazer notar. Parodiando a campanha televisiva “Adote Um Atleta”, o PP lançou o show Adote Um Artista, apresentado em escolas, teatros e uma novidade: estações do metrô paulistano. “Os shows tinham uma dinâmica muito forte, a gente saía do palco, brincava com a platéia. Eram performances, uma coisa muito viva”, relembrou Tiago Araripe ao Diário do Nordeste décadas depois. “E tínhamos na platéia pessoas que viriam a ser importantes pra música popular.

Os músicos gostavam de ir assistir, porque os arranjos eram muito inventivos. O Guilherme Arantes costumava ir pros nossos shows, o próprio Belchior cogitava de em algum momento lançar um LP do trabalho com o Papa Poluição. Por algum motivo, a coisa não aconteceu. Quando ele conseguiu [viabilizar], o grupo tinha acabado.” (Vale lembrar que Beto e Bill substituíram dois integrantes originais do PP que mal esquentaram lugar, respectivamente Fausto Aguiar e Dirceu – e que, anos depois, Fausto fez uma participação especial no segundo compacto do grupo.)

No mesmo ano de 1976 o grupo fez a trilha sonora do curta-metragem A Mulher no Cangaço, dirigido por Hermano Penna (primo de José Luiz – assim como Xico Carlos). E também lançou seu primeiro disco, um compacto-duplo pela Chantecler com os rocks-baiões “Rola Coco” (incluindo participação de Osvaldinho do Acordeon), “Brechando nas Gretas” e “Em Nome do Rock” (com citações dos Beatles e jovem guarda) e o balanço latino de “Guerra Fria”. O disco ganhou elogios unânimes de profissionais da comunicação, como o jornalista Wladimir Soares (“com humor e inteligência, o Papa Poluição conseguiu provar que a música pop pode ser feita no Brasil sem buscar originais estrangeiros, o ritmo é nosso e deles”), e o radialista Jacques Kaleidoscópio (“Papa Poluição, um som biodegradável”), e de colegas como o poeta Augusto de Campos (“muito ar livre pra dar a nossa inspiração musical”), Marcus Vinicius (“eu também papo”) e Guilherme Arantes (“eu acho o conjunto a revelação mais espontânea e autêntica de São Paulo nos últimos dez anos”), mas não fez sucesso e o Papa foi dispensado da Chantecler.

Isso não impediu o grupo de marcar 1977 estreando novo show, Mamãe Rádio Não Toca Meu Disco (que o próprio grupo apresentou como “desaconselhável para virtuoses cansados, folcloristas, nostálgicos, FM estéreo, multigravadoras, são-paulinos e araras”) e assinar com a gravadora carioca Top Tape, onde gravou (pelo selo Arco-Íris) seu segundo e último disco, um compacto simples com o rock-balada “Tua Ausência” (trazendo mais citações de Beatles) e a faixa meio-rock-meio-latina “Inferno Da Criação”. O que brecou o Papa Poluição foram problemas de outras ordens – principalmente briga com gravadoras do tipo que são empresas visando lucro, imagine se não fossem.

Estas duas faixas do disco da Top Tape nasceram independentes; o PP as gravou por conta própria no Eldorado, então o maior estúdio do Brasil, aproveitando horas vagas entre uma gravação paga e outra. Subitamente, adentram o estúdio Scarambone (que havia sido tecladista do grupo Renato e Seus Blue Caps durante quase todos os anos 1970 e estava deixando a banda, preferindo seguir carreira como produtor de discos) e outro produtor, veterano e bem-sucedido, Reinaldo Barriga (que trabalhou com Tom Zé e muitos outros). Ambos ouvem a gravação do PP e adoram – não só o resultado musical, como também seu custo praticamente zero. Desataram a prometer ao Papa Poluição mundos e fundos, a começar por um LP na Top Tape. Só que o grupo, pouco disposto a, como se diz, “entrar para o esquemão”, insiste em ir com calma e começar por um compacto para testar o mercado.

Pois bem, a Top Tape lançou o compacto – mas não pagou jabá (sim, isso já existia; aliás, sempre existiu, embora nem sempre com esse nome) às rádios e TVs; coube ao grupo ralar em shows e entrevistas para conseguir um bom espaço em algumas emissoras. “Tua Ausência” começou a fazer sucesso. Mas de repente... o disco obedeceu ao título do show do PP e parou de tocar no rádio. O que aconteceu? Penna relembrou ao blog de Tiago: “Tivemos um trabalho danado para saber o que houve. Não é que a nossa gravadora tinha pedido ao programador da rádio para trocar o nosso espaço, conseguido a duras penas, pelo disco do Stevie Wonder [também do elenco da Top Tape]?” Como resumiu Tiago ao DN: “Descobrimos que a gente conseguia as coisas no
rádio, na TV, e eles vinham por trás e tentavam colocar o cast internacional deles. Ou seja, a própria gravadora tava nos boicotando.” “Aí não deu mais”, continua Penna. “Fomos no dia seguinte, eu e o Tiago Araripe, bem cedo à Top Tape, munidos de bastões, e pichamos todos os cartazes dos astros internacionais com obscenidades. E ficamos esperando funcionários e diretores para recebermos nossa rescisão contratual. Foi um belo escândalo. Enfrentamos a partir daí o colapsototal. As gravadoras determinaram o fim DISCOGRÁFICO do PAPA POLUIÇÃO.” (Ah, sim: a quem interessar, Scarambone ainda vive no Rio de Janeiro e hoje em dia trabalha não com jabá, e sim com mais palatáveis doces e salgados.)

Como se esse enrosco com a gravadora já não fosse bastante, na época, Bill Soares trabalhava como diretor de arte da TV Tupi, a qual entrou na crise que a fecharia em 1980. “Fiquei de cabeça quente e saí do Papa Poluição batendo porta”, recorda Bill. “Me arrependi tanto... E ficou aquele clima de casamento, procurar pêlo em casca de ovo...” O PP ainda seguiu em frente com outro contrabaixista, Cid Campos (filho de Augusto). Mas não passou de 1979, quando gravou uma marcha carnavalesca para um compacto triplo de vários intérpretes, compôs e gravou canções para o filme Sargento Getúlio (também dirigido por Hermano Penna e estrelando Lima Duarte) e participou do último festival da Tupi defendendo “O Grande Circo Universal”, de Thomas Roth em parceria com o saudoso Luís Guedes.

Mas os integrantes do grupo continuaram ativos de uma forma ou outra. Em 1982 Tiago gravou pelo selo Lira Paulistana o LP Cabelos de Sansão, que fez algum sucesso alternativo com faixas como “Estrela do Mar” e “Meg Magia” (e em 2008 foi promovido a CD pelo selo Saravá, do fã Zeca Baleiro), e hoje reside no Recife, trabalhando com música e publicidade. No ano seguinte Penna e Paulinho da Costa gravaram em dupla o compacto “O Macaco Avoa” (alusão aos saltos do bicho de cipó em cipó, dando realmente a impressão de que ele voa pela floresta), incluído na trilha do filme e trazendo gravações antigas do PP. Penna entrou para a política e se deu bem como vereador e presidente nacional do Partido Verde (sim, tudo a ver com o nome Papa Poluição); e uma composição sua da época do PP, “Comentário a Respeito de John”, foi modificada por Belchior e fez muito sucesso nas gravações da cantora Bianca e do próprio Belchior. Paulinho seguiu o verso de “Rola Coco” que fala do “sonho vago de não morrer sem ver Paris”, radicando-se mais ou menos lá perto, em Toulouse, na França, onde já gravou um CD solo (e continua compondo com Tiago, um de seus parceiros de sempre). Xico, após formar com Cid o grupo Sexo dos Anjos, mudou-se para a Bahia e hoje atende por Xico Sá (não confundir com o jornalista homônimo). Bill Soares perdoou a TV Tupi a ponto de trabalhar no departamento de criação visual do SBT, e hoje tem seu estúdio de gravação e publicidade, o Yeah! Estúdio. E Beto Carrera está radicado em Embu das Artes, na Grande São Paulo.


Paulinho da Costa realiza "o sonho vago
de não morrer sem ver Paris".


Trinta anos depois, o Papa Poluição continuou sendo garimpado e bem lembrado, influenciando artistas mais novos como Chico Science e tendo canções aproveitadas em filmes (como “Rola Coco” no longa Cine Tapuia, dirigido por Rosemberg Cariry e com Rodger, ex-Pessoal do Ceará, no papel do Cego Aderaldo) ou regravadas por Belchior e outros. “É bom ver que nosso trabalho não foi em vão”, comenta Bill. Para quase terminar, por enquanto, a pergunta inevitável: haverá volta do Papa Poluição? “No ano passado [2008] Penna me disse ‘vamos fazer!’” De modo que podemos ter esperanças em breve. E, para terminar mesmo, o ideal é a frase que Tiago incluiu no encarte do LP Cabelos de Sansão: “Viva o Papa Poluição!”

Ayrton Mugnaini Jr.


Quem quiser conhecer melhor a iniciativa poeira Zine, experimente um desses link (ou todos):

Site: www.poeirazine.com.br

Sample: http://issuu.com/poeirazine/docs/pz23

My Space: www.myspace.com/poeirazine
Blog: www.poeirazine.blogger.com.br
Video blog: http://poeirazine.wordpress.com


sexta-feira, 20 de março de 2009

Mais cenas do lançamento em São Paulo

Fotos: Sérgio Polignano

Momento do bis: Felipe Vagner, Felipe Avila, Zeca Baleiro, Tiago Araripe, Cid Campos e Pedro Cunha.




Participantes do LP e do CD Cabelos de Sansão: Zeca Baleiro (Saravá Discos), Wilson Souto Júnior (Lira Paulistana), Felipe Vagner (arranjos e flautas), Felipe Avila (Sexo dos Anjos, arranjos, violão, guitarra), Riba de Castro (Lira Paulistana), Suzana Salles, Tiago Araripe, Cid Campos (Papa Poluição, Sexo dos Anjos, arranjos, baixo, craviola), Passoca (vocais) e Sergio Polignano (fotomontagem do leão da capa).

Suzana é uma virtual integrante dos vocais do disco. Só não participou por não estar em São Paulo no período das gravações. Mas às vezes até consigo ouvi-la nos coros.

Hermano Penna (diretor de Sargento Getúlio), Tiago, José Luiz Penna (Papa Poluição e parceiro em Quando a pororoca pegar fogo), Wilson Souto e Riba de Castro.


Reencontro com Beto Carrera (Papa Poluição).

segunda-feira, 16 de março de 2009

Nas ondas do rádio

No click de Sergio Polignano, autor da fotomontagem da capa de Cabelos de Sansão, cena do lançamento do CD da Saravá Discos em São Paulo: Felipe Avila, Tiago Araripe e Zeca Baleiro.

Entrevistas com Tiago Araripe

  • Dia 17 de março, das 13h às 14h, participação no programa Visita Vip, da Rádio USP. Para ouvir, acesse o site www.radio.usp.br

  • A qualquer momento, você pode ouvir aqui o podcast da entrevista feita por Vilmar Bittencourt para o programa RadarCultura, da Rádio Cultura AM.

Um depoimento

Feliz sincronicidade - convergência de acontecimentos simultâneos e naturalmente afins - determinou a recente viagem que fiz a São Paulo.

De um lado, o lançamento do meu disco “Cabelos de Sansão” em versão CD pela Saravá Discos. Do outro, a gravação para o documentário que está sendo produzido tendo em vista o aniversário de 30 anos do nascimento do Lira Paulistana. Na matriz de ambos os eventos, o movimento que impulsionou a música (e a cultura, de forma mais ampla) na Paulicéia do início dos anos 80, deflagrado pelo punhado de idealistas que fundou o Lira: Wilson Souto, Chico Pardal, Plínio Chaves, Fernando Alexandre, Riba de Castro. (”Cabelos” é o segundo disco lançado pelo Lira Paulistana, depois de “Beleléu” de Itamar Assumpção.)

E eis que volto à cena mais de duas décadas depois, como que assistindo a um filme fragmentado de tantas coisas que vivi em São Paulo, onde o capítulo Lira Paulistana é não apenas especial, como parece se reescrever ou reeditar. Reencontrar Riba, Wilson e Chico Pardal no mesmo ambiente em que revi músicos que participaram do “Cabelos de Sansão” - Cid Campos, Felipe Avila, Felipe Vagner, o parceiro José Luiz Penna, Passoca… - foi como voltar no tempo para ver o quanto o Lira estava à frente.

O trabalho de Zeca Baleiro, que redescobriu e relançou “Cabelos”, me soa como um dos sinais virtuais desse Lira que avançou além de sua época e que parece se recriar na Saravá Discos e onde houver indício de alternativas para quem busca trabalhar por uma produção cultural digna e não repetitiva. O Lira Paulistana ergueu pontes e transpôs barreiras geográficas, misturando no mesmo caldeirão de São Paulo artistas de diferentes Estados, variadas tendências e a mesma procura de espaço qualificado para expressar suas respectivas propostas.

O cearense que vos tecla sente-se honrado de fazer parte dessa história.

Tiago Araripe