segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Do Blog CaririCult

Foto: Alemberg Quindins

O texto abaixo, publicado hoje no blog CaririCult, é um depoimento do músico caririense Marcos Vinícius Leonel, da banda Na Cacunda, sobre o lançamento de Cabelos de Sansão no Crato, Ceará.


Segunda-feira, 5 de Janeiro de 2009

Cabelos de Sansão – Tiago Araripe
A força continua presente

Ontem, dia 04 de janeiro de 09, foi o lançamento do CD remasterizado Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe, editado pelo selo Saravá, de Zeca Baleiro. O palco escolhido foi o do teatro do Sesc em Crato. Foi um dia para rever amigos e relembrar momentos importantes de minha trajetória em São Paulo, na qual vivenciei todo o período de efervescência cultural da Lira Paulistana, em que esse trabalho de Tiago está inserido.

No início dos anos 80 a cidade de São Paulo foi arrebatada por uma cena artística musical revolucionária, com as tendências independentes apresentando suas alternativas de criação e difusão, enquanto que o esquemão apostava suas fichas na rebeldia fake do chamado brock e no pastiche pop da sonoridade plastificada dos Olivetes e Massadas da vida. Eram tempos de crise e de esperança, pois prenunciava no horizonte a concretização do fim da criminosa ditadura militar.

Além dos chavões de praxe, nomes como Ritchie; Itamar Assumpção; Absynto; Grupo Um; Radio Táxi; Aguilar e Banda Performática; Marquinhos Moura; Arrigo Barnabé; Tiago Araripe; Tetê Spíndola; Eliete Negreiros; Pé Ante Pé; Rumo; Premê; Língua de Trapo; RPM; Rosangela; Jessé; e tantos outros tragáveis e intragáveis dividiam inusitadamente o mesmo tanto que extremadamente as atenções e as intenções. Aparentemente havia espaço para todos, no entanto os independentes conquistavam terreno com unhas e dentes.

Para mim foi um momento de grandes descobertas e muito dinamismo. Por minha conta eu misturava, a partir de um radicalismo jamais repetido, Derrida e Lacan com Leonardo Boff e Ariano Suassuna; Zappa e Sun Ra com João do Vale e Elomar; Foucoult e Barthes com Leminsk e Mautner; Husker Dü e Sonic Youth com Medusa e Tiago Araripe; além de outras receitas mais insondáveis envolvendo de Blavatsky a Heisenberg, de Walter Smetack a Terj Rypdal. Tudo isso relembrado em lampejos, ouvindo Tiago Araripe falar mansamente sobre a sua trajetória em São Paulo e a concepção desse grande disco.

O LP foi lançado em 1982 e o cd remasterizado foi lançado no início de 2008. Só agora, no início de 2009 eu tive a oportunidade de colocar as mãos, os ouvidos, a alma e a mente sobre essa sonoridade, agora entendida por mim como transcendental, devido a tantos portais abertos e reabertos por esse autor que sempre esteve para mim tão próximo e tão anonimamente íntimo, seja através do Papa Poluição, que tive a oportunidade de assistir em Fortaleza e Recife, ou seja através das citações carinhosas e inúmeras dos seus companheiros Beto Carrera e Bill Soares, com quem convivi intensamente durante a montagem do show “Notícias Populares”, de Bá Freire.

O tratamento dado ao disco pelo selo de Zeca Baleiro é de uma elegância ímpar. São visíveis o carinho e o respeito ali depositados. Revisitar esse disco depois de tanto tempo, mais de vinte anos, é confirmar que os anos 80 deram frutos saborosos para quem soube enxergar. O disco é absurdamente atual, inclusive em seu senso de humor, como em Meg Magia, por exemplo, uma deliciosa crônica existencial. A musicalidade da banda Sexo dos Anjos permite a longevidade da estética de colagens de Cabelos de Sansão, bem como a lírica epicizante de Tiago garantem um perfeito senso de orientação entre tantas galáxias e nebulosas.

Quando eu ouvi pela primeira vez, no rádio, a música Coração Cometa, anunciada por Maurício Kubrusly, em um programa que ele tinha numa das rádios FM de São Paulo, – que não lembro qual e nem o nome do programa – em que ele apresentava raridades e novidades, bem como os independentes, eu senti que naquela voz existia uma força criativa sendo trabalhada. Naquele momento eu senti uma grande satisfação e euforia por identificar ali o Crato e o Cariri. Essa sensação eu não havia sentido no show de lançamento e nem nos outros dois shows que eu assisti dele naquele período. O rádio tem essa magia.

Quando eu ouvi ontem Tiago cantando Cabelos de Sansão, Cine Cassino, Fios da Light, Estrela-do-Mar, Redemoinho e Asa Linda eu senti que aquela força ainda estava ali, agora trabalhada e serena, convivendo equilibradamente entre o passado e o presente. Isso fez com que no palco brotassem novas flores e novos frutos em portais iridescentes, acomodados em uma áurea de sensatez e coerência contagiante. A busca espiritual tem essa magia.

Nenhum comentário: