Lira ganha livro e filme
O teatro Lira Paulistana, que funcionou entre os anos de 1979 e 1985 na Rua Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto, teve uma importância muito grande para a região da Vila Madalena. O Lira também lançou muita gente, influenciou no comportamento e até na redemocratização do país. Foram breves seis anos de vida cultural ativa que marcaram a cidade. No próximo mês de outubro está prevista uma comemoração aos 30 anos de fundação do Lira, como era carinhosamente chamado. Um dos sócios, o cineasta Riba de Castro, cearense de Quixeramobim, e que reside na Espanha há um bom tempo, reuniu todo o material que juntou daquele tempo, escreveu um livro e finalizou a captação de imagens do documentário que será lançado na ocasião. Nesta conversa, Riba conta como o Lira surgiu, quem passou por lá e o que vem por aí.
Quando você chegou à Vila Madalena?
Cheguei aqui em 1974. E aos 20 anos cheguei em São Paulo. A Vila Madalena foi a minha primeira morada aqui. Morei na Mateus Grou.
Qual é a sua formação? E como foi a sua vida por aqui?
Sou autodidata em tudo. Comecei muito cedo a fazer as coisas que eu queria fazer. Aos 15 já estava expondo. Aos 17, desenhava. Fui durante muito tempo desenhista gráfico. Vim para São Paulo traçar meu próprio caminho. Fiz amizades com o pessoal das artes gráficas e logo depois já fazia produção, shows, cartazes e cenários de eventos. Foi nessa época que conheci gente como Tiago Araripe, Papa-Poluição, José Penna, Walter Franco, Odair Cabeça-de-Poeta, Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Itamar Assumpção, Paçoca e outros. Aos 20 anos eu já estava totalmente envolvido com o cenário cultural da cidade.
Como era a Vila Madalena?
Um lugar de “estrangeiros”. Um pessoal criativo. Aqui sempre teve um clima interessante. Era um lugar de estudantes e professores da USP, músicos e cineastas e produtoras.
E como surgiu o Lira Paulistana?
Muitos artistas moravam na Vila e o público também era do bairro. No final dos anos 1970, a ditadura estava forte. Os teatros convencionais não recebiam os novos artistas. O Lira foi inaugurado em 25 de outubro de 1979 com a peça de teatro “Fogo Paulista”. Era um musical relacionado com o programa Pró-Álcool. A ideia da peça era uma crítica à crise de álcool. Tinha álcool para os carros, faltava álcool para se beber. Foi uma criação coletiva e dirigido por Mário Mazeti. Depois veio “Tambores da Noite”, de Bernold Brecht.
Quem teve a ideia de criar o Lira?
No começo não estávamos todos juntos. Nos primeiros seis meses, quem tocou foi o Wilson e o Valdir Galeano. Eles já trabalhavam com teatro em São Paulo. Já tinham a ideia de abrir um espaço. Aí acharam o porão da praça Benedito Calixto e surgiu o Lira Paulistana. Seis meses depois o Valdir se apaixonou e foi embora e o Wilson ficou só. Nesse momento entraram o Chico e o Fernando. Depois eu cheguei.
Como era a programação?
Tinha teatro e depois surgiu a música. O Itamar Assumpção e a Banda Isca de Polícia é que inauguraram essa fase no Lira. E com ele, lançamos nosso primeiro long play com o selo do Lira. Tinha cinema também, que era o que me trouxe. Eu participava de um projeto na zona leste da cidade. Na época, o cineasta João Batista de Andrade tinha lançado o filme “O homem que virou suco”. Foi exibido no circuito comercial em dezembro e pouca gente viu. Dois meses depois, o filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim (Alemanha) e eu tinha uma cópia desse filme dos tempos do centro cultural lá da zona leste. Nessa época eu fazia comunicação visual no Curso Anglo Vestibulares. Um amigo meu, o cineasta Ivo Branco, me visitou um dia e contei para ele que tinha uma cópia do “Homem...”. Ele sugeriu que fôssemos ao Lira que tinha uma janela na programação. Eles toparam fazer uma semana com o filme e foi muito legal. Foi a primeira vez no Lira que o público fez fila que dobrava a Rua Lisboa. Até então o Lira tinha teatro, música no meio da semana e filmes. A partir daí, ficamos mais próximos.
Quem se apresentou no Lira?
O Paçoca, Gereba, Tetê Espíndola e Almir Sater começaram a fazer
shows no Lira. Era uma mescla de estilos musicais, inclusive instrumentais.
O Jornal do Lira, como surgiu?
O Fernando Alexandre era editor da Gazeta de Pinheiros e sempre divulgava a nossa programação. Ele tinha um projeto de fazer um jornal cultural na cidade. Nesse momento, começamos a conversar sobre fazer um jornal cultural. Mas antes era preciso de uma infraestrutura mínima. Alugamos um sobrado na praça Benedito Calixto. Eu e o Fernando saímos dos nossos trabalhos e montamos uma gráfica para atender ao teatro e ao jornal. Cartazes, filipetas e outros trabalhos que foram surgindo. Aí o Lira passou a ser um centro de artes e editora. Continuei fazendo cenários para o Lira. Depois de quase um ano, o jornal saiu com 30 mil exemplares, com venda em banca.
E quem escrevia no Jornal do Lira?
Não tínhamos dinheiro. Formamos uma cooperativa de jornalistas. Muita gente trabalhou lá: Paulo Caruso, Apoenam Rodrigues, Gabriel Prioli (hoje diretor da TV Cultura) e outros que toparam participar. Tinha de tudo. Amigos participavam do jornal.
Qual era a linha do jornal?
Mais variedades. Foi o primeiro jornal na cidade a dar toda a programação cultural. Desde a programação de cineclubes ou dicas de onde ir para tomar uma canjinha na zona norte. Onde comprar flores. Tinha comida, diversão e arte. Cobria o circuito normal e o alternativo. E com um detalhe, com dicas de qual ônibus você devia usar e coisas assim. Tinha livrarias, bares, gafieiras e outros endereços. Fomos os primeiros a fazer isso. Seis meses depois do fechamento, surgiu a Veja São Paulo. Era semanal e formato tablóide. Foram 14 números. Fechou por falta de dinheiro.
Como surgiram os shows na Praça Benedito Calixto?
Fomos vender anúncio para a agência de publicidade Thompson. Eles não queriam anunciar no jornal mas topavam patrocinar uma série de shows com os artistas do Lira. Estávamos no vermelho. Juntamos a redação e viramos produtores. O primeiro show ao ar livre que aconteceu na Praça Benedito Calixto aconteceu no dia 25 de janeiro de 1981, no aniversário de São Paulo. Quem se apresentou: Jorge Mautner, Premeditando o Breque, Grupo Rumo e Tetê Espíndola. O jornal deixou muito prestigio ao Lira. Tinha 15 mil pessoas na praça. Depois fizemos outros shows pela cidade e fora daqui também.
Os projetos como o Virada Paulista e o Boca no Trombone, como surgiram?
O Virada Paulista foi um projeto que tinha 42 grupos de música e mais 500 músicos envolvidos. Muita gente que nunca tinha se apresentado. Língua de Trapo, Ultraje a Rigor, Grupo D’Alma, vários grupos surgiram. No ano seguinte criamos o Boca no Trombone com outros grupos, entre eles Os Titãs, Vânia Bastos e outros. O pessoal nos procurava. Nós alugávamos o teatro e também produzíamos alguns espetáculos.
Por que o Lira terminou?
Era um casamento de cinco. E como toda relação, se desgatou. O Boca no Trombone foi “exportado” para Curitiba. O Lira ficou pequeno para os artistas grandes e não tínhamos capacidade para receber um público desse tamanho. E nessa ocasião surgiu o Sesc Pompeia, que tinha um espaço maior para comportar esses shows.
Qual o grande mérito que o Lira deixou?
O Lira sempre estava na mídia. Tinha música, teatro, cinema, exposição. Todo dia tinha uma atividade. O público selecionava o trabalho que a gente programava. O Kid Vinil tocou a primeira vez lá.
Até que ponto a situação política do Brasil influenciou o Lira?
Um dos motivos do Lira ter dado certo era que o país atravessava um período de ostracismo por conta da ditadura. O pessoal que surgiu no Lira já existiam. O Lira foi o veículo que deu o espaço. Eram muitas pessoas. O Lira deixou um espírito boêmio e artístico para a cidade.
Fale sobre o documentário do Lira? Como surgiu?
Em setembro de 2008 resolvi escrever um livro sobre o Lira. A morte do Itamar Assumpção deu início ao projeto. Lembrei de muitas coisas. Nesses anos que estou na Espanha, sempre que eu vinha para cá, um estudante me achava e perguntava sobre o Lira. Eu tinha experiência em cinema e pensei “essa história precisa ser contada”. Eu tinha muito material da época, cartazes, jornais. Com o livro pronto, resolvi fazer o documentário. Conversando com um amigo, ele topou produzir o filme. Saí da TV e estou só trabalhando no documentário. E quero fazer outras coisas, mas ainda é segredo.
Será em película ou digital?
Filmei em HD. Será digital. Entrevistei 65 pessoas. Os fundadores, inclusive eu e os artistas que passaram por lá.
A receptividade foi boa?
O pessoal falou com alegria, com satisfação, sem saudosismo. Naquele momento, o Lira foi muito importante para o país. Surgiram outros partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores e o Partido Verde.
Vai ser exibido em circuito cultural?
Acho que vai ser exibido em circuito comercial e cultural.
Como será o lançamento?
Quero fazer um grande lançamento. Ainda não definimos o local. Gostaria de fazer um show na praça Benedito Calixto. Ideias não faltam. Ainda estamos buscando recursos.
www.piratacreative.com
(Guia da Vila, maio de 2009)
Um comentário:
está dado o recado, carlos.
abraço cultural.
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